terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Tato

Faltavam quatro minutos para a meia-noite quando ela abriu a porta do elevador no andar de seu apartamento. No mesmo instante, a escuridão se fez. O que é isto? Faltou luz? De novo! É, apesar ou por estar agora morando no centro da cidade, muito seguidamente havia corte de luz. Por alguma proteção divina, ela nunca ficara presa no elevador. Essa é uma experiência que não queria vivenciar, embora já tivesse tido alguns pensamento sobre como seria.
Justo hoje, não havia pegado a chave de dentro da bolsa enquanto subia. E agora? Por que colocava tanta quinquilharia dentro de sua companheira diária. Com certeza, a coitada sentia-se sufocada com tudo aquilo. Bom, o negócio era exercitar o tato. Sim o tato! Ah, o tato... esse é um dos sentidos que quase não usamos no dia-a-dia, pelo menos, não conscientemente. Mas como viver sem ele, quanto prazer nos dá! Substitui o olhar, o ouvir e, até mesmo, o paladar, é só usar a imaginação! Lá vai a mão dela, tateando cada pequena coisa encontrada: o caderninho de anotações, a caneta, a carteira do dinheiro, a bolsinha de moedas, o pacotinho de lencinhos de papel, os óculos para ler, a carteirinha de cartões de crédito, o baton, o pó, a escova de cabelo, o talão de cheques. Onde está o molho de chaves do apartamento? Droga, havia esquecido que sempre colocava no bolsinho externo da bolsa. Lembrou: quando a cabeça não funciona, as pernas pagam. Aqui as mãos pagaram.
Acertar o buraquinho da fechadura! Tarefa bem difícil naquele breu que tomava conta de tudo. Lá vai o dedo indicador, enquanto o "pai de todos" e o polegar seguravam a chave, encontrada facilmente porque tinha uma ranhura num dos lados. Salva pelo tato de novo. Pronto, a porta estava aberta, e ela já estava em casa. Agora era entrar na cozinha, à direita, pegar o castiçal com a vela e a caixa de fósforos em cima da mesa. Sim, isso sempre estava ali para qualquer eventualidade. Como estava escuro! Ela tinha quase certeza de que não fechara as persianas quando saiu. Ups! a porta da cozinha fechada, ou melhor, chaveada? Parou! Seu coração batia mais forte, um temor começou a tomar conta de todo seu corpo. Ela esta tensa, ofegante! Tentou lentamente entrar na sala, mas esbarrou na cadeira de balanço. Por que estava ali? Empurrou-a para o lado deu um pequeno passo e...
"Parabéns a você, nesta data querida!
Muitas felicidades, muitos anos de vida!"
As luzes se acenderam! Ela nem lembrava, estava já de aniversário!
Olhou ao redor, pegou a bolsa e foi para o quarto. Já era tarde. Tinha de descansar!

sábado, 20 de fevereiro de 2010

Preconceito?!

Hoje, ao parar numa sinaleira, três meninos magrinhos, sujinhos, mal vestidos começaram a fazer malabarismos com algumas bolinhas de diferentes tamanhos, sem cores definidas. Não conseguiam fazer nada direito. As bolinhas estavam sempre caindo no chão. Um deles, o menor, na verdade, tinha o trabalho de buscar as bolas, o gandula do grupo. Para completar a apresentação, um dos meninos subiu nos ombros do mais forte deles e tentaram novamente fazer o que não tinham tido sucesso nem sequer com os pés firmes no chão. O sinal abriu, eu arranquei e, olhando pelo retrovisor, dei-me conta de que ninguém havia dado, pelos menos, uma moedinha para eles. Enxerguei, ainda, os três sentando no cordão da calçada, cabisbaixos.
Andei uma quadra e, para variar, outra sinaleira, fechada, é óbvio. Quando se está com pressa, sempre pegamos o sinal vermelho. E então, outro espetáculo, agora, bem diferente do anterior. Dois caras mais velhos, jovens ainda, vestidos e maquiados de palhaço, montados, cada um, em uma monocleta - bicicleta de uma roda, entenderam, não? - faziam malabarismos, não com bolinhas, mas com aqueles bastões, para não falar "paus". Era realmente uma bela imagem. Comecei a remexer em minha bolsa, sem tirar os olhos deles, até que achei umas moedas. Notei que um deles também me cuidava. Antes mesmo de a sinaleira ficar verde, desceram do... e começaram a recolher os trocados dos motoristas. Ao abrir o vidro da janela do carro, surpresa: eles nem brasileiros eram! O sinal abriu, custei a dar início a marcha, virei meus olhos para o retrovisor e vi: a maioria dos motoristas davam alguma coisa para os artistas!
Isso não foi preconceito?
Arrependi-me de não ter dado nada aos garotos; pensei em fazer a volta na quadra e corrigir o meu erro. Era tarde, já buzinavam atrás de mim, e eu estava louca de fome.
Fome?
Que horror!

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

A pensar...

Hoje encontrei com uma formiguinha. O que estaria ela fazendo naquele lugar? E eu, o que estava fazendo ali? Tudo era mistério. Quanta gente diferente! O ar era sombrio, a luz era... lusco-fusco! Sim, era essa palavra que meu pai usava para aquela hora em que nada estava mais tão claro como era antes. Muita gente ali. Muita mesmo. O silêncio foi interrompido. Uma voz masculina anunciou a procissão. Procissão? Sim, ela passou! O ritual teve início e as pessoas, uma a uma, dirigiam-se ao fim do grande salão, ou ao início, tanto faz! Lá, tinham suas testas tocadas pelo polegar de um seguidor. Seguidor? É... acho que é! Cantos foram entoados, sinos badalados, palavras proferidas. Rostos sérios, tristes, esperançosos, serenos. Rostos velhos. Sim, velhos. Onde estariam os rostos jovens? Descansando da folia? E os infantis? Jogando "Guitar Hero"? Cadê a formiguinha?
Lá ia ela, saindo! Ei, forminguinha! Volte aqui! Venha cantar, orar, pedir, agradecer, perdoar!
Capaz! Quando eu for bem velhinha, volto! disse ela, andando a passos rápidos.
Hoje é dia de recomeçar, dia de iniciar uma nova vida! Hoje é quarta-feira de cinzas!!! Inútil! Ela já não ouvia, estava longe.
Engraçado... eu gostei! Ui! Uma janela envidraçada! Não, não vou olhar-me!