sábado, 19 de janeiro de 2013

Juntos, mas distantes!

"Tem tomado os seus remédios?" Foi assim que ela o recebeu naquele dia, depois de ter atendido um telefonema do chefe dele. Não queria acreditar no que estava acontecendo. Por que motivos, seu marido estava tendo aquele tipo de atitude negativa, egoísta, covarde. Esse não era o rapaz bronzeado e corpulento que havia vindo ao seu encontro numa manhã de janeiro de 1984, à beira da praia. Àquela hora, o sol ainda não estava com toda a sua energia, e a brisa do mar mantinha o frescor da noite enluarada. Momento mágico! A partir de então nunca mais se separaram, nunca decepcionaram um ao outro, nunca se enganaram. O que estaria acontecendo agora? Ele a encarou, tomou o rumo do quarto do casal, passou a chave na porta. Não estava disposto a dar satisfações de seus atos. Não era ela que enfrentava as batalhas em sua cabeça, não era ela que aguentava, dia após dia, as dores herdadas de mentes sem tolerância. Tomado os remédios! O que sabia ela dos remédios dele, das suas angústias, dos seus desesperos? Se pelo menos ele tivesse lhe contado no início de tudo! Agora já era tarde. Não, ela jamais saberia a verdade, não merecia... ou não era merecedora? É uma questão de escolha, de valor da relação: se não quisesse fazê-la sofrer ou não a achasse digna de repartir com ele seu destino. Batidas à porta perturbavam os ouvidos dele; as mãos delas já estavam avermelhadas de tanto tocarem a madeira dura. Os sinos da igreja do bairro pareciam não lembrar de como parar de tocar. A ele traziam recordações duras de uma infância cheia de obrigações; a ela levavam a pedir proteção e luz para a resolução do que estavam enfrentando. A música tocada pelo vizinho em seu saxofone penetrava as frestas da porta, das janelas, de todo o apartamento, das entranhas dos corpos separados, da mente dele, do coração dela. E em meio ao labirinto de emoções e contradições, a noite foi chegando e deixando tudo escuro, tudo sem explicação, tudo numa paz intranquila. Amanhã será um novo dia!

segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

Quando o pensamento voa...

"A partir de amanhã, você vai trabalhar na rua!" Foi isso que ouvi quando passei pela porta aberta de um dos apartamentos, na quarto andar de meu prédio. Naquela tarde havia dado um problema na energia elétrica do bairro e, segundo nosso zelador, uma fase havia caído, sendo assim, estávamos sem elevador. Eu, que estava disposta a fazer mais exercícios a fim de emagrecer um pouco, encarei as escadas. Calmamente fui subindo andar por andar. Então ouvi aquela frase. Não sei por que, mas ela me calou fundo e me fez começar a fazer suposições. Eu não conhecia quem morava ali, sabia que haviam se mudado há pouco tempo (quinto andar) e tinham vindo do interior. Sabia também que era uma família de quatro pessoas, um casal e dois filhos, parece que uma menina e um rapaz (sexto andar). A voz que dissera a tal frase era feminina e denotava uma certa idade. Quem teria sido o receptor? Se fosse a menina, seria um pouco duro,(sétimo andar) pois até onde eu tinha conhecimento, a menina tinha uns treze anos. Ninguém merece ir trabalhar na rua sendo tão novinha. Caso fosse o rapaz, até poderia ser,(oitavo andar) mas que tipo de serviço seria esse? O tom em que foi dita a sentença, sim, porque mais parecia uma sentença, passava claramente a ideia de que seria, vamos dizer, como um castigo. Por que isso? (nono andar) Não! E se fosse para o marido? Teriam eles um negócio em casa e, daquele dia em diante, as tarefas de banco, as cobranças e os pagamentos seriam feitos por ele! Então, quem mandava naquela casa era a mulher! (décimo andar) Ou seria a avó. Sim! Poderia ser uma família formada de uma avó, seu filho divorciado e o casal de netos! Mas, afinal de contas o que eu tinha a ver com aquilo? Foi aí que ouvi outra voz, agora masculina: "A senhora precisa de alguma coisa?" Era o zelador que saía de seu apartamento no último andar. O que eu estava fazendo no décimo primeiro andar se morava no nono?

quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

Um moço loiro!

Lembro como se fosse hoje. Tudo parecia tão sem graça na minha vida de adolescente, prometida para um cidadão rico da vizinhança. Era vinte anos mais velho do que eu, mas era bonito e cheiroso. Todos aguardavam a minha maior idade. A festa seria muito grande. O noivo pagaria tudo. Estava eu à janela, à noitinha. De repente, um carro, gritaria e alguém me chamando: - Vem, Joana! Vamos nos divertir um pouco! Era Marina, minha colega de aula na Escola Normal. Saltou dentro de mim um desejo quase incontrolável de sair correndo e entrar naquele carro. Porém o respeito pelas decisões de meu pai, por alguns instantes, falaram mais alto. Ir ou não ir, esta era a questão. Não pensei muito, abri a porta de espelho do pequeno armário do meu quarto, tirei um casaquinho , troquei os chinelos por um calçado e fui, fui sem saber para onde, fui ao encontro do divertimento. Divertimento... eu nunca soubera o que era divertir-se. Estava na hora. Sentei-me no banco de trás, mas o motorista pediu que eu fosse no da frente. Quando estava me acomodando, fui puxada e, como num golpe certeiro, encaixei-me embaixo do braço direito do loiro lindo de olhos verdes. Ele usava uma camisa listrada de verde e branco e tinha dentes lindos. Fiquei tonta com tudo aquilo, mas não demonstrei nenhuma estranheza. Não queria que soubessem da minha vidinha sem graça e sem experiência. O carro voava e com ele voavam meus pensamentos. Finalmente iria a um lugar que tinha a ver comigo, tinha certeza. E, ao chegar lá, foi como se mergulhasse num mar de emoções: dancei, cantei, fui abraçada, beijada, tornei-me mulher! Sim aquele era o meu lugar, aqueles eram os meus parceiros, aquele era o meu amor. Naquele delírio de prazer, esqueci-me da realidade e, quando ao amanhecer, cheguei ao meu bairro, dei-me conta de que talvez tivesse vivido um sonho. Sonho do qual não queria acordar. Mas na mesma rapidez que me pegaram, largaram-me. Largaram-me e nunca mais voltaram. À frente de minha casa estavam meus pais e meu prometido dono. A partir daquele dia nada mais aconteceu na minha vida. Não casei com o velho, que se sentiu traído, nem o loiro lindo me procurou mais. Hoje faz exatamente quarenta anos que tudo aconteceu; por isso estou à janela, quem sabe o tempo resolve dar uma volta e um moço loiro lindo de olhos verdes vem me chamar e me encaixar sob seu ombro! Ui, mas que não seja agora, preciso fazer xixi!

sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

Gotas, somente elas!

Elas pareciam estar mais nervosas do que normalmente estão quando surgem em nossas vidraças. Elas vinham em grandes grupos, umas mais cheias, outras menores. O vento não as deixava seguir seu caminho em paz. Normalmente quando se deparam com algum obstáculo, lentamente se conformam e iniciam sua descida para o final de suas trajetórias, suas vidas. Mas aquele vento forte de hoje fazia com que dançassem de um lado para outro, sem ritmo, mas com pressa. Uma pressa forçada e dolorida. Sim, com certeza, não queriam estar se debatendo como seres humanos em busca de abrigo, seres egoístas, seres que, na ânsia de salvar sua própria vida, atropelam, batem, derrubam, matam. Havia no som que delas se ouvia um certo tom de tristeza, um certo tom de inconformidade. Elas sabiam o quanto são importantes, o quanto são desejadas, mas não daquele jeito, não com aquela violência. Ah, se a sobrevivência delas dependesse somente delas como seria diferente. Não andariam nessa correria louca. Cairiam calmamente, uma por uma, sem machucar ninguém, sem destruir qualquer coisa que fosse, mesmo as mais frágeis. Ao baterem na terra, se espalhariam, penetrariam com delicadeza as profundezas do planeta e sua missão estaria cumprida no esplendor de um flor, na doçura de um fruto, no colorido do arco-íris quando seu amigo sol viesse secá-las. Ah, as gotas da chuva! Como são belas sem a intromissão do vento, sem o destempero do homem!

Desabafo

Há tempos que não escrevo aqui, desde de final de novembro de 2012. Essa coisa de criar, sim porque fiz essa opção: criar textos, criar pequenas histórias, não é tão simples assim. Há momentos e ocasiões em que, sem me dar conta, redijo uma narrativa que parte de algo tão insignificante, que talvez para outros não seria um impulso para surgir algo. É repentino e inesperado. Uma flor cujo cheiro me impressiona, um animal ou inseto que passa por mim, algo que avisto da minha janela, tudo pode dar texto, como na canção, tudo dá samba.
No entanto, há épocas em que todo e qualquer pensamento me parece ridículo, não me inspira, não me leva a outros mundos, outros tempos. Já tentei iniciar uma história, está aqui, guardada nos rascunhos, mas não deu! Uma força maior me fez parar, me fez desistir. Estou falando de uma sensação inexplicável. Poderia ser a época do ano, dezembro; talvez muito trabalho fora dessa área; uma crítica própria muito severa com minhas próprias criações; ou algo que alguém tenha dito que me fez perder um pouco a alegria de viver, de estar sempre em busca de uma novidade...
Como é engraçado, de uma hora para outra, sem que se espere, alguém fala sobre seu comportamento, sobre suas atitudes de forma agressiva e ressalta o quanto são negativas e o quanto fazem mal! Como assim? Jamais me passara pela cabeça que meu jeito de ser estivesse influenciando negativamente alguém. Meu velho pai, sim eu que já estou nos 66, nasci de um pai de 50. E já naquela era, sim porque isso foi em outra era - há, há - na metade do século passado! Aquela figura já me dizia que tudo que fizéssemos deveríamos saber que havia sido criado por nós e que as consequências seriam só nossas! Como hoje, no século XXI, alguém atira palavras e mágoas na nossa cara, como se fôssemos responsáveis por tudo que lhe acontece?
Olhem, cá estou eu redigindo um tipo de texto que não condiz com o objetivo do blog. Pessoas, escritores e jornalistas, que falam da vida e dão conselhos, temos muitos, uns bons, outros medíocres; por isso, a minha intenção ao criar este blog sempre foi de tentar divertir meus leitores com ideias diferentes, inusitadas, às vezes, verossímeis, às vezes fantásticas! É do que eu gosto. Porém, agora, escrevendo isto aqui, estou me dando conta de que, na verdade, eu estava tocada, sentida, bloqueada. Palavras são punhais disfarçados! Cuidado!