quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Fantasmas?

Ela fechava os olhos e lá vinham aqueles rostos, às vezes, pessoas de corpo inteiro. Em preto e branco. Abria os olhos, e nada via, a não ser o que concretamente estava em seu campo de visão e que também era visto por todos. Não havia lugar específico para que isso acontecesse. Podia ela estar em casa, na cama ou mesmo no chuveiro da escola de natação onde fazia seus exercícios. Em princípio, não tinha noção de quem eram elas. Frutos da sua tão fértil imaginação? Seres em outra dimensão? Perguntava às amigas se isso acontecia com elas, mas jamais obtivera resposta positiva. Algumas até zombavam: "Tá vendo fantasma?!". Será? Não conseguia dar uma explicação, nem queria acreditar que pudesse estar vendo pessoas que já tivessem feito a passagem, como dizem aqueles que não gostam de falar qualquer palavra relacionada à morte. Porém, `a medida que o tempo passava, mais frequentemente esse fenômeno lhe acontecia. Um dia, uma forte dor no peito a fez cair ao chão quando estava voltando para casa. E ali, deitada na calçada fria, os olhos cerrados, Maria viu todos os seus amigos sorrindo. Deu-se conta de que, apesar da dor, do tombo, do corpo dolorido, sua mente estava viva pois pensou: "Está na minha hora!" Foi, então, que todos aquelas figuras descoinhecidas que via começaram a rir e uma delas lhe disse para levantar porque não chegara a sua hora. Hoje, quando Maria passeia pelas ruas de seu bairro, vê o cochicho de alguns: " Lá vai Maria, que vê fantasmas e ainda faz folia! (Eu vejo faces e corpos quando fecho os olhos, e tu?)

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

Paraíso

Hoje eu fui ao Paraíso! Estranha essa frase. Aprendemos desde de pequenos que o Paraíso é um lugar onde tudo é bonito, tudo é bom, onde não há maldade, onde somos felizes. Então, tentamos levar nossa vida de maneira a merecer esse Paraíso. Pois não é que, quando me dei conta, estava num lugar exatamente como sempre ouvi descreverem, estava no Paraíso. Ali, o canto dos pássaros soava como música suave em meus ouvidos; ao andar pelas ruas, as pessoas me cumprimentavam, esboçando um sorriso como se me conhecessem; meus passos me levavam, como se flutuando, sem que eu me preocupasse se iria me perder; nessa andança, os cheiros que viam das casas me enebriavam; parecia que ali, mesmo o mais exótico dos cactus estava florido. Tudo era belo, e o ventinho da paz balançava as folhas das árvores, agitava delicadamente as roupas nos varais e levava meus cabelos a fazer cócegas no meu rosto. Deixei-me levar. fechei os olhos e fui. Nada me amedrontava, nada me impedia. Fui. Descalça, sentia as pedras do calçamento, a grama em alguns trechos e... a areia. Morna, macia. Parei para movimentar os dedos dos pés e senti-los afundando lentamente. Não! Eu precisava ir adiante. Continuei e fui, fui... A areia agora já não era mais quente. O sol me aquecia o corpo, a cabeça, os cabelos; porém, pouco a pouco, um frio úmido tomou conta dos meus pés. Eu não parava, eu não queria parar, eu não conseguia parar. E assim, calma, mas firmemente, adentrei ao mar, sim era o mar. Já abrira meus olhos e o encanto das ondas iam me deixando tonta. Sentia o gelo da água subindo pelas pernas, uma onda mais forte quase me derrubou. Continuei, fixando o infinito, continuei em direção a ele. De repente, uma parede enorme na minha frente. Não vi mais nada! "Moça! Moça!" Por que gritavam? Por que este homem me beija deste jeito? Tossi! Botei água para fora da boca e perguntei: "Estou no Paraíso?" "Sim, a senhorita está na praia do Paraíso. Onde fica a sua casa?"

sábado, 18 de fevereiro de 2012

Perda!

Todos os dias ele chegava à janela da sala e dali apreciava aquela linda árvore que o acompanhava desde que era um garotinho. Nada o fazia mais feliz, nada o tranquilizava mais do que acompanhar o dançar de suas folhas ao som do vento. Quantas vezes a agonia de seus medos era dissipada só em contemplar as raízes dela se agarrando com unhas e dentes à terra como se dali nunca mais quisesse sair. Hoje, ele acordou sobressaltado, assustado com um barulho ensurdecedor. Com dificuldade, colocou saus pernas para fora da cama, pegou o copo de cima da mesinha de cabeceira e tomou a água que ali estava toda a noite. Chamou a senhora que trabalhava para ele, mas provavelmente ela não ouvira por causa do ruído estridente e contínuo que o acordara. Decidiu arrumar-se sozinho, por mais dificuldade que tivesse. Fez-se silêncio na rua, e dona Joana, que cortava cebolas na cozinha, parou o seu afazer induzida pelo ruído que vinha do corredor. Ao chegar à porta, avistou seu patrão. Algo estava precisando de reparos, de ajustes. Viu-o de costas, dirigindo-se para a sala. Com certeza, já ia para a janela olhar a sua árvore. O sol, que àquela hora já estava meio alto, feriu-lhe os olhos. Como? Onde estavam os galhos pesados e cobertos de folhas verdes que davam a sombra que amaciava as suas preocupações, as suas perdas, as suas aflições. Homens haviam terminado com tudo, as raízes dela ameaçam o prédio onde morava, o prédio onde habitavam, os seus problemas, as suas saudades, as suas lembranças. Tudo termina! Um dia, esse meu corpo se terminará, essa minha cadeira deixará de andar, tudo virará cinzas nas memórias alheias.

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

Imaginação?

O sol derramou seu calor dourado sobre meu corpo, e eu fui, aos poucos, sentindo a temperatura subir em cada parte de mim. Fechei os olhos e fui enxergando, primeiro, meus pés, depois minhas pernas, minhas coxas, minha barriga, meus seios, meu pescoço e, finalmente, meu rosto. Eu estava totalmente de um tom amarelo queimado com o brilho dos topázios. Eu estava linda, leve e não me reconhecia mais. Sentia-me fltuando e de onde estava, assistia a vida passando como se fosse um filme, não a minha história, mas a tua, do teu vizinho, da minha comadre, enfim, de todos. Eu conseguia, ao mesmo tempo, saber o que se passava na cabeça de cada criatura. Conhecia os seus pensamentos e sabia o que iria acontecer com cada um muito antes do momento da concretização do fato. Comecei a ir de um lugar para o outro, de cima para baixo, de lado a lado, percorria distâncias enormes em poucos segundos. O tempo, o tempo...o tempo? Quanto tempo se passara? há quantas horas, dias semanas estaria eu naquela situação? Estou tão só, não vejo mais ninguém do mesmo jeito. Até quando ficarei assim? O mais incrível de tudo é que nada me assustava, nada me levava a pensamentos negativos. Não posso dizer que estava feliz, mas também não estava infeliz. Uma estranha insensibilidade tomara conta de mim. Não vestia roupa alguma? Em que estação do ano estávamos? Não tinha frio, mas também não sentia calor, era como se meu corpo não mais se abalasse fosse com que fosse. O sol continuava me aquecendo. Cada vez mais eu brilhava, até que comecei a derreter, lentamente, gota a gota. Olhei e não tinha mais meus pés. Onde estavam as minhas mãos? Em poucos minutos já era só um tronco com lágrimas densas rolando da face sobre os seios e barriga. Não tinha mais olhos, o nariz já estava desforme, a boca, sem lábios. Dei-me conta de que, em poucos minutos, eu não mais existiria. Ouvi os gritos felizes de crianças que acharam uma pequena, minúscula, poça de um líquido dourado que, em seguida endureceu e transformou-se num belo pingente com o retrato de uma mulher. Agora eu era um pingente!

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Mergulhão

Estava mergulhada na leitura de uma peça de teatro quando ouvi uma voz masculina forte gritar: "Um pássaro, um pássaro!" Não seria estranho se não estivéssemos à beira do mar de uma praia extremamente movimentada. A última frase que li foi:" Não se pode voltar atrás." Tirei os olhos do livro, levantei o corpo e mexi a cabeça de uma lado para o outro à procura do pássaro que devia ser de um tipo muito incomum. Neste momento, ouvi a mesma voz: "Ele mergulhou! Cadê ele?" Estas palavras me fizeram levantar da cadeira preguiçosa onde estava deitava e pegava sol enquanto lia. Vi, então que várias pessoas, entre elas, algumas crianças, corriam para a água. Buscavam acompanhar o lindo pássaro negro que, como um submarino, ora aparecia, ora desaparecia. Quando vinha à tona, via-se apenas um elegante pescoço que sustentava uma cabeça igualmente distinta que olhava para todos os lados sem demonstrar importar-se com os comentários em torno de sua "excelência". Transparecia segurança no que fazia. Sabia o que queria, estava focado em sua tarefa. De repente, um enorme pato entrou água a dentro, levantando as pernas, sucudindo as asas e emitindo sons assustadores. Foi o que bastou para nosso mergulhão levantar voo e sumir no céu azul. O pato, um rapaz metido a valentão, saiu da água, passando por todos que apreciavam a cena rara, de nariz em pé como se tivesse feito grande coisa. Todos baixaram a cabeça e, aos poucos, foram voltando aos seus lugares, as suas atividades. Um vento de tristeza levou a visão final de nosso ilustre visitante. Voltei para minha cadeira, acomodei-me, abri o livro e passei os olhos pela página marcada, atentamente, na tentativa de descobrir onde parara. Achei: "Não se pode voltar atrás". E não é?