Todos os dias, no final da tarde, ela sentava em sua cadeira. Não era qualquer cadeira ou poltrona, era a sua cadeira de "papai". Ali descansava as costas doloridas das tarefas já pesadas da casa, as pernas cansadas de tanto andar para lá e para cá e de onde tinha uma vista diferente a cada dia. Ficava meio em diagonal com uma das janelas da sala, encostada à parede oposta à rua. E enterrada nas almofadas já meio duras de tão usadas, nossa amiga ali ficava até que todo o espetáculo a que gostava de assistir se encerrasse.
Daquele lugar, nossa espectadora não conseguia ver além do céu. Era uma janela, mas seu ponto de vista era o infinito. E o infinito lhe dava infinitas e surpreendentes lições de como se pode preencher um vazio. Havia dias em que o azul celeste tomava conta e com ele a paz chegava e se aninhava; porém, havia ocasiões em que a sensação era de que alguém pegara um pincel, enfiara em potes com diversos tons de vermelho e com ele riscara, sem nenhuma caridade, a tela que a natureza ali colocara, trazendo a paixão, o calor dos desejos; às vezes, quando o astro rei já estava se recolhendo dava ao palco de nossa amiga a cor rosa das lembranças de amores juvenis; no entanto, em alguns dias, tinha-se a sensação de que nenhuma cor mais existia no mundo, somente aquele cinza que não nos remete a nada melhor do que à tristeza de uma saudade, às lágrimas de um pesar, à dor de uma partida.
Hoje esse cinza tomou conta da janela da nossa amiga, e ela não gostou. Não era o que queria. Estava precisando de algo mais e sentiu-se decepcionada. Decepcionada com sua janela, decepcionada com a natureza, decepcionada com sua vida. Vidinha que considerou medíocre, simplista e improdutiva. Levantou da cadeira, buscou querosene, acendeu um fósforo e queimou, queimou seu trono, queimou sua mediocridade. Deixou as labaredas tomarem conta de tudo, saiu porta a fora, bateu-a e, sem se virar, sumiu no infinito.