domingo, 24 de março de 2019

Ah! O sol!

     Hoje abri o janelão da área de serviço, apoiei os cotovelos na lajota dura e, apesar do incômodo,  deixei-me gozar o prazer de ter os carinhos dos raios do sol na pele dos meus braços, do meu colo, do meu rosto. Depois de uns minutos, virei-me, tipo espeto de churrasco ao fogo, fechei os olhos e aos poucos fui sentindo minhas costas aquecerem. Tive a sensação de que o sol, lá de cima, por entre as paredes do meu prédio e as do edifício ao lado, havia decidido virar os botões de aquecimento e, propositadamente, mandar todo o calor que conseguia! Aquilo foi muito bom, mas desconfiei.
     Ele, estou falando do sol, devia estar me espiando e tendo pensamentos não muito a gradáveis a respeito de minha atitude. Com certeza, se perguntava por que tinha de gastar sua energia com aqueles braços secos, aquele colo murcho, aquele rosto enrugado. O verão havia recém acabado, e ele talvez estivesse lembrando os belos corpos que se bronzearam com ele. Será que me comparou a eles? Será que por isso inventou de quase me queimar? Será que, até mesmo o sol, exerce preconceito com os que já passaram do tempo da beleza, da rigidez, da gostosura? Mas minhas costas não estão velhas! Como posso dizer isto? Não as enxergo! Saí do janelão! Chega!
     Ao entrar na sala de estar, olhei o relógio: doze horas e trinta minutos! Meu Deus! Eu não havia preparado nada para comer ainda! Ao mesmo tempo uma luz clareou meus pensamentos, e eu me dei conta de que o sol que quase me queimara era o do meio dia, não o preconceituoso! Suspirei aliviada e fui para a cozinha. Ali chegando, olhei para os dois vasos de flores que estavam na janela. Tomavam, através do vidro, o sol da manhã e elas estavam esplendorosas!
     No dia que decidi tirar aquelas duas plantinhas da minha sala porque estavam muito feias, sem vida, pensara em colocá-las no lixo. No entanto, um pensamento veio como um xingão, e arrumei as duas na janela, havia espaço. Onde estavam antes,  não pegavam sol, aqui o sol as fez reviver, as fez voltar à beleza, as fez sorrir. Que bom que não as coloquei no lixo!
     Vou voltar a pegar mais sol antes que alguém, que não tenha  uma luzinha que se acenda no pensamento, me coloque no lixo!