domingo, 29 de julho de 2012

A hora do rosa

O quarto foi inundado de uma luz rosa. Tudo mudara de tonalidade, e a menina que há dias não saía da cama teve seu rosto iluminado com o tom rosado que trazia a ela uma fisionomia saudável. Ela se levantou, andou em ritmo de valsa até a penteadeira, sentou-se na banqueta e começou a sorrir ao ver-se rosada no espelho. Pegou o pente e passou nos cabelos, tirando-lhes os nós causados pelo esfregar no travesseiro. Foi até o guarda-roupas e de lá tirou o vestido de renda branco. Vestiu-o e, quando foi olhar-se novamente no espelho, tudo já havia mudado de cor. Deixou cair ao longo do corpo os braços, baixou a cabeça e passo a passo chegou à janela de onde, agora se via o céu ficando azul escuro pois o sol já tinha ido se deitar. Virou-se, olhou para o leito, deitou-se e uma lágrima correu pelo canto do olho, molhando a fronha...rosa.

sábado, 28 de julho de 2012

Uma relação!

A vida com ela era mais gostosa. Era isso que ele dizia sempre. Não conseguia viver sem ela. Quando ia à rua, levava a moça junto, ao ficar sentado no sofá, assistindo a algum programa na televisão, era ela que lhe fazia companhia. Ela jamais lhe negava alguma coisa, algum carinho, alguma palavra de amor, de incentivo. No dia em que se viram pela primeira vez, bateram olho no olho, suas mãos se tocaram sem querer, as falas se confundiram, na ansiedade do primeiro encontro. Tudo a partir dali foi diferente na vida de cada um. Não havia mais um, e sim sempre dois. Ela era do tipo silenciosa, fazia tudo sem barulho, não gostava de que falassem alto perto dela. O rádio nunca ligava e disfarçava o quanto odiava o som do futebol que ele não deixava de ouvir, ou mesmo assistir na televisão. Ele jamais notara que aquilo não agradava a ela. Nestes momentos, ela fazia tarefas da casa em outros cômodos, muitas vezes, saía para fazer as compras da casa. Ele, em princípio, não desgostava de nada que ela fizesse. Um dia, ele chegou mais cedo em casa e a procurou, chamou, vasculhou todos os cantos. Nada. Ela não estava! Ele sentou e aguardou, aguardou, aguardou. O tempo passou, e ele desistiu. Desistiu de esperar, de ficar ali parado, de visualizar a entrada de sua amada pela porta da frente. Arrumou uma mala com tudo o que mais precisava e gostava, saiu pela porta afora. Ela, depois de mais algum tempo, chegou, não o chamou, não o procurou, não o esperou. Ele nunca mais voltou.

domingo, 22 de julho de 2012

Nem sempre o fim é o fim

As paredes estavam mofadas e úmidas. Há muito nada de alegria aparecia por ali. Aquele já fora um lugar onde se ouviam canções e risadas constantes. Já fora um lugar onde se viam crianças brincando, adultos felizes e idosos limpos e cheirosos. Aos poucos, foram todos embora dali, buscavam alcançar outros horizontes, em busca de mais felicidade. O lugar foi se modificando ao som da melodia e do ritmo da natureza. O vento, a chuva, o calor, a poeira foram cavocando o seu espaço no chão frio e sujo. Nas paredes, outrora limpas e bem pintadas, agora se via o reboco desboroando. O telhado cheio de limo ia abrindo frestas para que a chuva, o sol, a brisa por elas penetrassem e lá morressem como o próprio lugar. Um dia, em meio àquele lúgubre ambiente, um raminho verdinho apareceu. E começou a crescer. Cresceu e tomou conta de tudo. Era a vida que voltava, era a alegria que de uma outra forma tomava conta do lugar. Agora se ouvia novamente a melodia da alegria. E, como por milagre, somou-se a ela o canto dos pássaros que ali encontraram espaço para construir seus ninhos e deles novas vidas se criaram! Um dia, quem sabe, um ser humano volte, uma criança venha brincar, um idoso se alegre na esperança de que o vislumbre do fim seja, na verdade, o início de um novo caminho.

sábado, 21 de julho de 2012

Vida lá fora

Eles riam e gritavam! Divertiam-se, achava ela. Ouvia suas gargalhadas, suas vozes altas confundindo-se. Eram vozes femininas, masculinas. Às vezes, quase estéricas as risadas. Em meio ao sons humanos emitidos, latidos de um cachorro nervoso. Essa mistura a deixava ansiosa. Não aguentava mais ficar ali, sozinha, ouvindo a vida lá fora, sem saber exatamente o que acontecia. Agora cantavam parabéns a você. De quem seria o aniversário? Essa agonia! Palmas, gritos, música. Sim havia um grupo de sambistas, era samba o ritmo. Ela ali, sentada em frente à televisão, mudando de canal, irritando-se a cada programa que decidia ver. E o cachorro agora latia mais, sem parar, como se fosse um relógio: au, au, au, au... Ela se levantou, abriu a porta, tomou o elevador, saiu para rua e começou a caminhar no meio daquele povo que não conhecia. Sorria e cumprimentava todos como se fossem amigos há muito tempo. Parou diante do bar onde os músicos tocavam e com eles cantou. Seguiu, dobrou a primeira esquina, caminhou ao som do "relógio" e, sem que alguém notasse, abriu o portão de onde o cão saiu. Saiu, avançando em todos, mordendo alguns, arrancando a roupa de vários, até que a alegria se transformou em horror, em tragédia. Em poucos minutos as risadas viraram gritos de desespero. Ela voltou para casa, deitou em sua cama e dormiu, afinal, finalmente, fez-se silêncio lá fora.

domingo, 15 de julho de 2012

Dormir? Pra quê?

Aquele sono não abandonava Maria. Sentava para almoçar, abria a boca pra colocar a comida e fechava os olhos. Queria escrever suas histórias, de um minuto para o outro, cerrava as pálpebras. Começava a assistir a um filme ou programa de televisão e, imediatamente, os cílios atrapalhavam a visão pois já não conseguia manter seus olhos abertos. Até mesmo, ao dirigir, que perigo, dava-se conta de que o tal do sono quase a fazia cometer alguma imprudência mais séria. No entanto, em nenhuma destas situações, Maria se deixava dominar por ele. Sempre fora uma pessoa muito comprometida e não se permitia descansar, tinha de produzir. Sim, estava sempre inventando, tinha uma inquietação criativa. Mesmo em frente à televisão ia aproveitando tudo que via para acumular ideias. Um dia, a sonolência era tanta que não pôde se manter acordada. Adormeceu profundamente e, por algum tempo, não se ouviu sua voz, nem seus passos, nem o teclar do seu "note". Ela dormia, ela descansava. Engano! Imenso engano! Ao despertar, deu-se conta de que o sonho que tivera era tão lindo que, a partir daquele dia, voltou a dormir e não mais acordou.

segunda-feira, 2 de julho de 2012

A melhor saída

Ela caminhava de um lado para outro. Sabia o que a esperava. Tinha sido assim nos últimos meses, nos últimos anos, a sua vida toda. As noites de lua cheia! Levou um tempo a se dar conta de que a sua insônia estava diretamente relacionada a ela, a Lua. Tantas conversas existem em torno da influência dela que não seria estranha essa ligação. No entanto, durante muitos anos fez diferentes e inovadores tratamentos para dormir em paz. Mas grande coisa não dormir somente algumas noites por mês? E foi assim que desistiu de remédios e terapias alternativas e resolveu encarar o silêncio daquelas noites, as caminhadas à cozinha, as refeições extras, os lençóis bagunçados e quentes de tanto se rolar. Ao entardecer, havia lido no jornal que se iniciariam as suas jornadas lunáticas. Preparava-se psicologicamente para enfrentar tudo de novo. Era tudo o que não queria, afinal estava em uma época de muitos trabalhos e precisava descansar. Foi até o quarto, olhou para a cama e tomou uma decisão: vou dançar a noite inteira! Ligou o toca-discos, selecionou os melhores lps, colocou o primeiro e, passo a passo, saiu pela casa, rodopiando, sacudindo os quadris, girando a cabeça, até que, apagaram-se todas as luzes. Sim, no bairro em que morava ainda faltava energia elétrica de vez em quando. Foi tateando as paredes, entrou no quarto, chegou à cama e deitou-se com os olhos fechados. Por que, quando está escuro, fechamos os olhos? Ouviu um ruído e abriu-os. Que bom que a Lua estava cheia, tudo estava iluminado. Levantou, começou a cantar e dançou à luz da sua amiga até o dia clarear quando foi dormir!