quinta-feira, 22 de setembro de 2016

Livrando-se das chatices

      Os ombros me doem! Há uma confusão em minha cabeça! Quantas coisas a resolver, nada agradável! Não dá para descartar!Não sei por onde começar.
      - Começa pelo começo, menina! - minha mãe dizia. Que mania que mãe tem de achar que deve dar um conselho. Elas não sabem o que se passa na nossa cabeça. no meu caso, na maioria das vezes não deu certo. Coitadas!
      Ora bolas o começo! Mas onde é o começo? A vida não é um novelo de lã que você puxa uma pontinha lá de dentro e que, às vezes, vem enrolada em seu seguimento, assustando a gente, mas em alguns segundos tudo é desenleado  e você pode iniciar qualquer coisa com o tal começo da lã, ou da tinta, que você abre a tampa, ninguém começa a pintar com a tinta do fundo, óbvio. A pasta de dente, então, não tem como. a não ser desenroscar a tampa. E a garrafa de vinho? Você tira a rolha e tudo começa. Esse tudo deixo por conta de você que está lendo.
      Ah, se iniciar a resolver as traquinagens da vida fosse tão simples, eu juro que somente hoje já teria tricotado um casaco inteiro de proteção contra gritos e caras feias. Tudo somente puxando a ponta da lã, não interessava a cor, podia até ser multicolorido, feio ou bonito, mas sentir-me-ia como que vestindo uma carcaça de tartaruga.
      Juro que a primeira pincelada que daria com o primeiro gole viscoso e brilhoso de tinta vermelha, sim, eu escolheria vermelha. Por quê? Não sei, mas seria rubra. Enfiaria o pincel dentro da lata, lentamente o levantaria ou levantá-lo-ia - pensando nos mais cultos - e gozaria sorridente a visão. Finalmente, eu pintaria o mundo ao meu redor, fazendo grandes cruzes, eliminando todo o mal que me aflige.
      Iria desenroscar calma, lenta e raivosamente a tampa da pasta de dente, depois a apertaria, espirrando-a no vaso e me livraria deste hábito imposto e que, ao meu ver não serve para nada, a não ser gastar, gastar, gastar! A solução para os dentes não está na pasta que você usa, nem na quantidade que você coloca na maldita escova que, não me contradigam, sempre acaba machucando a nossa gengiva. Bastaria que se comesse certo! Pronto! Tudo estaria solucionado.
      Ah, mas o melhor viria quando entrasse em pânico à procura do saca-rolhas! Reviraria todas as gavetas, todos os penduricalhos na cozinha, sacudiria a garrafa daquele vinho que há muito fazia parte do conjunto de garrafas que enfeita um suposto bar na sala de jantar. Bateria no seu fundo, já vi fazerem isso. Andaria pela casa abraçada àquele que me parecia ser a salvação da minha noite! Mas que salvação? Já desabafei, Já me livrei de várias chatices aqui neste texto! E de mais a mais! Eu nem bebo! Boa noite!
   
   



   

domingo, 12 de junho de 2016

Dia dos Namorados

Hoje saí abraçada por aí
O frio pedia que assim andássemos!
No ritmo coronário, percorremos trilhas
Com a boca trêmula, trocamos juras.
Trocamos sorrisos com um povo alegre
Ouvimos cantos de vozes desconhecidas.
O inverno castiga este Dia dos Namorados
Mas dá vontade de carícias trocar.
Em tua veste preta com roxo,
Na maciez de teu toque,
No tamanho exato para comigo encaixares,
Eu vi teus olhos jamais  pra mim mostrados
Eu toquei tuas mãos nunca com as minhas entrelaçadas
Eu me senti em teus braços protegida como um dia escreveste.
Sim, hoje saí com o casaco que me deste,
Hoje lembrei das palavras que acompanharam o pacote ao chegar
Hoje deu saudade das longas conversas
Hoje senti falta do que não tivemos!

Em busca de um Agnelo

Vou procurar pra mim um Agnelo,
Aquele que nada questiona, com tudo concorda!
Propor a ele uma vida em comum,
De mim abrir o coração, da casa, as janelas.
Mostrar que o mundo pode ser belo
Que a beleza depende de quem olha.
E que mesmo sem dinheiro algum
Seremos felizes, dividindo nossas mazelas!
Do mar contaremos as marolas
Chorar não choraremos de modo algum!
Vem, Agnelo! Quero ver teus olhos belos!

A minha cor hoje

Hoje a minha cor é esta, 
Pois, às vezes, a tristeza imbesta
e me leva a tempos distantes
Quando a vida era mais simples
Quando as preocupações não eram constantes.
Então eu lembro as brincadeiras, as cantorias, as pessoas queridas,
Lembro a mesa cheia, e o fogão sempre aceso.
Lembro os risos incessantes,
Lembro a adolescência feliz e sadia.
Hoje na lágrima que em meu rosto escorre,
Estão os amores, os carinhos e até os desamores,
Todos aqueles que me faziam querer mais vida!
Que cor é esta de hoje, afinal?
A cor da fé, da esperança e do milharal!

quarta-feira, 25 de maio de 2016

Ele era só meu!

        Acordei e ele não estava lá. Como assim? Jamais me abandonara, nem por poucos segundos. Sempre fora  meu refúgio, meu alento.
        Havia dias que, ao olhar para ele, sentia que estava feliz, ele brilhava e me dava a certeza de que meu dia seria bom pois forte me defenderia. Era assim que eu pensava. era assim que eu me relacionava com aquele elemento que de alguns anos para cá fazia parte do meu dia-a-dia.
        Às vezes, ele ficava sisudo, não brabo. Nunca o vira em fúria. Acho até que ele nem sabia ter raiva, por exemplo. Apesar de parecer sério, havia por baixo daquela aparência uma calma invejável, uma calma segura, uma calma poderosa e constante.
        Engraçado, de certa maneira, sempre estive perto dele, porém ele não estava perto de mim. Agora, ele viera, postara-se ao meu lado, e eu o deixei ficar. Fazia-me bem abrir os olhos e tê-lo ali como uma pintura sagrada. Antes, quando eu não o tinha diariamente, mesmo assim o sentia, ouvia seus amigos, sabia que estava por perto. o gigante cuja presença me alegrava, fazia parte de conversas, e muitas vezes era tido como culpado de algum evento mais triste. Eu sempre fora fascinada por ele
      Aqui, aprendi observá-lo e a tirar dele a energia que me faz viver melhor! Tenho certeza de que é só meu, mesmo que não seja. O que importa é o que sinto, o que importa é como me sinto. Quando o apresento e falo dele a alguma visita, muitos dizem que estou delirando.
        Em delírio entrei hoje pela manhã quando não o vi, quando o procurei de janela em janela e não encontrei. Para onde fora? Quem o teria levado? Estaria nos braços de alguém? E na  tristeza em que sucumbi meu pensamento navegou em certas profundezas de meu ser. O seu sumiço me fazia mal. E a tristeza virou raiva.  Raiva da bruma fechada que tomara conta do horizonte. Raiva dela que tirara de mim o meu rio, o meu querido rio Guaíba!
       

terça-feira, 17 de maio de 2016

A Volta

        O ônibus já não andava na mesma velocidade. Meu cochilo sentiu isso e despertou. O dia estava nublado, mas a paisagem estava lá. Passava ligeiro, eu queria ver os detalhes, mas fugiam do meu alcance. Meus olhos corriam atrás do que estava por vir e a dificuldade se repetia.
        A cidade era a mesma em que eu passara os verões de cinquenta e cinco anos de minha vida. Quantas recordações! A vida me fizera não mais voltar ali, não mais ter meus verões na velha casa amarela onde vi minha infância e adolescência passarem repletas de emoções, emoções de amores, emoções de dissabores, emoções de desespero, emoções de alegrias, muitas alegrias, de felicidades! Difícil lembrar de todas. Elas pipocam em minha mente de forma desordenada enquanto meus lábios abrem-se num sorriso incontido. Sinto a umidade das lágrimas da saudade tomando conta de meus olhos.
      E a casa amarela viu meus filhos crescerem, aprenderem a não usar fraldas, a largarem a chupeta, depois a mamadeira, a andarem de bicicleta, a criarem suas emoções e formarem suas recordações. A música, as apresentações na garagem para os vizinhos. A formação de suas profissões. As namoradas, as esposas, os amigos, os bolos da avó, os churrascos de domingos. E ela, a casa amarela, sofrendo às intempéries, mas curtindo os acontecimentos.
      Os netos chegaram, e ela viu parte de suas vidas. As subidas nas árvores, os pique-niques lá no alto. Eu a mandar por uma cestinha amarrada numa corda os comes e bebes deles. As novas crianças, novas amizades. A piscina de armar no grande pátio, os jogos de futebol. As bananeiras, que só davam frutos no inverno, mas que serviu para apreciarmos as belas flores delas no verão. Grandes ensinamentos. A tudo ela presenciou, abraçou com sua simpatia, com jeito de uma grande mãe de todos nós.
        Um dia, tivemos de vendê-la e não mais a tivemos em nossas vidas, só em nossas mentes. Tempos depois foi demolida, suas madeiras, em cujas entranhas estávamos todos da família, levaram nossos pedaços despedaçados pela saudade. Sobraram as fotos, as memórias.
       O ônibus chegou à rodoviária. Cheguei. Voltei. Voltei a Tramandaí, voltei para trabalhar, voltei para sentir o vento da terra acariciar meu rosto, ver o mar que tanto me embalou em suas ondas.
       Lá está minha amiga para me levar ao local da labuta!
     

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2016

A lua, essa fogosa!

E o céu se vestiu de azul e rosa
Numa atitude sem preconceito,
Num gesto de amor a homens e mulheres,
Mostrando que somos todos seres humanos
Independente das diferenças visíveis
Mas a lua, essa teimosa,
Querendo marcar seu espaço,
Intrometeu-se fogosa,
Em seu elegante traje  crescente,
 Dizendo ao céu que não importa o que faça
A majestade será ela eternamente!


(Pôr do sol de 10 de fevereiro de 2016, em Porto Alegre, RS, Brasil)

domingo, 10 de janeiro de 2016

Um lugar, uma noite

        O jantar não havia sido o que ela esperava. Pedira uma pizza com tomates secos e rúcula. e veio rúcula com pizza e tomate seco. Comeu. Estava com muita fome. No final da refeição, havia um jardim em seu prato. Mas valeu o chopp e o tempo que ali ficara, observando os transeuntes tão diferentes daqueles que costumava ver em seu país. Duas informações que não quero dar: de onde ela é e onde estava, não vem ao caso. Quando não havia mais nada a colocar goela abaixo, pagou a despesa, e saiu pela calçada, caminhando lentamente.
        Na primeira esquina, olhou à direita para ver se podia atravessar e viu, no fim da rua, a maior e mais bela tela. Uma pintura que só a natureza poderia oferecer. Acontecia o pôr-do-sol, e ele ocupava exatamente o espaço visível no horizonte. Lindo, lindo demais! Óbvio que fez vários clics. Continuou sua pausada e atenciosa caminhada. Era seu primeiro dia na cidade. Parou extasiada diante de uma vitrina com fotos de tatuagens feitas nas mais exóticas e inusitadas partes de corpos. Em pensamento questionou, mas depois pensou: cada um faz o que quer com sua pele. 
        Atravessou a avenida por onde ciclistas passeavam, bondes passavam e carros circulavam lentamente, Fotografou mais uma bela paisagem no seu entender: uma bicicleta estacionada com a cesta repleta de flores. Aquele é um país que cultiva muitas flores. Há por todos os lugares, O detalhe do conjunto que encantara os olhos dela fora o fato de a bicicleta estar estacionada em frente a um bar ou restaurante em cima de cujas mesas, àquela hora, já tremulavam as chamas das pequenas velas. Quantos amores elas não iriam aquecer apesar da noite quente de verão que começava.
        Mais uns cinco passos, e uma porta enorme de duas lâminas em madeira talhada com desenhos florais. Parou, espiou. Um corredor largo, um piso em mármore branco e no fim um átrio antigo com plantas e flores. O aroma das flores misturado ao da limpeza inebriou-a. O piso do átrio parecia estar ali há muito mais tempo do que o mármore do corredor. Era muito antigo, Ouviu pisadas leves, murmúrios quase imperceptíveis, porém não viu ninguém. Ela estava só. Podia explorar mais o lugar. Uma das paredes desse espaço destoava. Era branca com muitas pixações, palavras escritas naquele idioma que ela não entendia. E bem no meio uma porta de madeira barata pintada de azul, não muito grande, mas com um trinco enorme dourado, daqueles que não se encontram mais.
        Ela entrou, estava bem escuro, muito escuro mesmo. ouviu o som de um piano acompanhado de um sax, vultos dançando, gemidos. Andou entre os vultos, pegou uma taça de champagne, Alguém a envolveu, apertou-a, sentiu o calor do corpo estranho e dali não mais saiu.