sábado, 5 de abril de 2014

Uma pequena história contemporânea de amor

     As malas foram sendo colocadas, uma a uma, para fora do apartamento. O velho senhor acompanhava com olhar neutro cada gesto da esposa. Algumas caixas também faziam parte daquela mudança. Ela sabia que nem tudo poderia ser levado. Sabia que havia coisas, sentimentos, emoções que pertenciam àquele lugar.
     Foi num dia muito frio que o sim fora dito depois de alguns anos e de muitas emoções. Tinham se conhecido por acaso, em meio a outros jovens no centro da cidadezinha, onde ele chegara transferido pela empresa de que era funcionário. Tinham sonhos diferentes, porém valores e garra semelhantes para enfrentar o futuro. Juntaram tudo e começaram uma vida.
     Os filhos nasceram, as alegrias tomaram conta assim como as preocupações. Os gastos aumentaram, o tempo deles encolheu, os sonhos se dissiparam, as mágoas e decepções foram sujando a relação outrora perfeita. De perfeita passou  a suportável, de suportável a intragável, de intragável a indiferente. E aí é que tudo desmoronou.
     Os espaços de silêncio, a falta de informações, os olhares não trocados iam cobrindo a vida deles. Ah, quanta palavra não dita, quanta troca de ideias não acontecida, quantos carinhos não mais dados e recebidos. Tudo virara um marasmo mudo, surdo, sem cor entre os dois. Passaram a viver as vidas dos filhos. Os desejos, as felicidades, as tristezas, as injustiças, as conquistas, tudo, tudo não mais fazia parte daquela histórias de dois seres.
     Hoje o último filho está saindo de casa. Suas bagagens e ele estão fazendo daquela casa um vazio enorme. Um vazio talvez nunca mais preenchido. Os olhos da mãe e do pai acompanharam tudo no silêncio tão exercitado por eles nas últimas décadas. A porta do elevador se fechou, e lentamente a cabeça de cada um foi se erguendo até que seus olhos voltaram a se ver, suas bocas esboçaram um sorriso, seus corpos se abraçaram como nos velhos tempos.