domingo, 28 de outubro de 2012

Um amor virtual

E estava chegando a hora! Ele iria adentrar pela porta da casa de Mariana em poucos minutos. Ele vinha de longe, jamais haviam se visto, a não ser por fotos via internet. Este era mais um dos tantos e já comuns casos de amor virtual. Mariana havia entrado num site americano de pessoas solteiras e achara o jovem senhor por ali. Ele era dez anos mais velho do que ela, mas não aparentava a idade que dizia ter. Era elegante, fazendeiro texano e separado. Morava com a mãe, uma senhora idosa já com alguns problemas de saúde. Aquele relacionamento já durava mais de um ano, um ano de longas e constantes conversas. Volta e meia chegava à casa de Mariana uma caixa cheia de objetos que ele dizia ser junk thinks. Mas junto ao que ele dizia ser coisas descartáveis, vinham presentes, muitos. Certa ocasião, ela recebeu um bouquê de flores tão grande que nem tinha em casa um vaso adequado. E assim iam passando os dias, meses, e o coração de cada um pulsando longe, muito distante um do outro. Um dia, ele decidiu que viria visitá-la. Mariana não conseguia mais conter a sua alegria, a sua ansiedade, finalmente estaria nos braços daquele que tanto amava. Ela se arrumou, ajeitou a casa, preparou uma comida especial para o jantar de sua chegada. Mariana estava tão enlouquecida que, quando se dava conta, estava sentada frente ao computador, queria ver se entrara algum email. Em seguida se dava conta e ia fazer outra coisa para se distrair. Na mesma medida da ansiedade de Mariana, o relógio da sala, batia as horas, horas que agora já traziam a ela uma preocupação, afinal ele já devia ter chegado. Por que ela não fora ao aeroporto como queria? Não, ele não deixara, queria ter a sensação do namorado avistando a casa da amada, descendo do táxi, tocando a campainha, abraçando-a pela primeira vez a sós, sem espectadores. Ela não tinha mais paradeiro, sentava, levantava, caminhava, espiava pela janela da sala, abria a geladeira, beliscava alguma coisa. E nada. Num impulso, ligou o computador, e acessou a caixa de entrada das mensagens. Leu algumas de pessoas conhecidas e, entre elas, havia uma de um Pastor. Mariana clicou, e começou a ler. Lia e, assim como seus olhos corriam pelas linhas, deles corriam, aos montes, lágrimas, lágrimas de uma grande tristeza. A expectativa de ser feliz ao lado do amado desconhecido morria ali. O email era do Pastor da Igreja frequentada pela família, e havia cabido a ele dar a notícia de que Bob, havia tido um derrame e não se encontrava mais entre os vivos. Os filhos de Mariana nunca acreditaram neste sujeito que escrevia palavras lindas para a mãe deles, sempre acharam que, na verdade, Bob era um rapazola se distraindo com uma brasileira. Já se passaram mais de dez anos e Mariana até hoje tem dúvidas sobre a existência de Bob.

sexta-feira, 12 de outubro de 2012

Descobrindo a vida

Naquele dia, a porta estava aberta. Ela andou mais lentamente do que de costume, não sei se por receio ou por cautela. Foi! Foi para a rua e, assim que se viu fora de casa, deu-se conta de que tudo era novo para ela. Por que nunca a tinham levado além daquela porta? Passo a passo foi distanciando-se, batendo nas pessoas, indo sem destino, sem futuro e sem passado. Sua vida começava agora. O som dos carros a inquietava, mas ela tentava não se perturbar. Virava a cabeça e seguia seu instinto. Viu galinhas rodando dentro de uma caixa envidraçada.Chegou perto e sentiu o calor e o cheiro gostoso. Deu-lhe fome. Mas como se podia comer aquilo.Na casa dela nunca vira algo parecido. Resolveu seguir adiante. Quando se deu conta, seus pés pisavam em algo úmido e geladinho, ouviu gritos, parecia que a xingavam. Olhou para trás e viu a marca de suas pisadas na calçada, e homens começando a correr atrás dela. Correu, correu muito. Atravessou ruas no meio de carros, que não paravam, dobrou esquinas desconhecidas, passou entre pernas nuas e pernas vestidas, sentiu o vento em seus olhos e seu nariz gelou. Como vou voltar? Ela já não sabia voltar, estava perdida na estranha cidade. Viu árvores, deitou-se embaixo de uma delas, aproveitou a sombra. O sol já estava forte agora. Fechou os olhos e ali ficou sem saber o que fazer. Ouviu ruídos por perto, chegaram perto dela e sem trocar qualquer comunicação saiu andando ao lado deles, dos que faziam barulho, dos que faziam festa, dos que derrubavam latas, dos que tomavam água do lago, dos que se atiravam a rolar na grama. Ela finalmente descobriu a vida, finalmente conheceu os seus semelhantes, finalmente se encontrou. Para casa nunca mais voltou. Só corriam lágrimas de seus olhinhos quando lembrava de seus filhotes. Eram dois, um igual a ela, outro igual ao cachorro da vizinha, aquele safadinho do andar de cima, malcriado e fedorento.

segunda-feira, 1 de outubro de 2012

Infinita descida!

Ela desceu as escadas no escuro, no silêncio! Não sabia o que iria encontrar lá. Tinha a sensação de que a estavam empurrando. Não se sentia comandando seus atos. Terminou o primeiro lance e, como se alguém tivesse puxado seus cabelos, ela parou. Ali ficou por alguns segundos, segundos que lhe pareciam horas. Nesse tempo muitas e diferentes sensações foram vivenciadas por ela. O medo do desconhecido, o frio da falta de companhia, a instabilidade de suas frágeis pernas, o tremor de suas mãos, o ruído dos pequenos insetos que habitavam aquele lugar que tantas vezes lhe atiçara a curiosidade. De repente, mais um lance de escadas. Quantos lances teria ainda? Desceria muitos mais? Nunca ouvira falar do quão fundo estava este esconderijo. Esconderijo? Por que pensava que fosse um esconderijo? Estariam lá, guardados segredos de sua família? Mas jamais soubera que a família tivesse segredos. Não, não eram segredos! Por que era empurrada? Eram tantos questionamentos quantos eram os degraus, tudo interminável. Agora o frio cortava-lhe a pele. Um cheiro forte não identificado penetrava-lhe as narinas. Por que não havia um interruptor de luz? Não tinham feito instalação elétrica ali? Não imaginaram que um dia alguém iria querer descer? Mas ela não queria descer! Fizeram-na abrir a porta e ir, ir, ir. Foi e seus pés tocaram a água. Aos poucos foi ficando mais fundo e quando se deu conta estava nadando. À medida que andava sentia aquele líquido aparecendo uma luz que veio lá do infinito e acabou iluminando tudo. Será que foi a luz que veio, ou ela que à luz chegou? Não importava! O lugar era lindo! Estaria ela chegando ao paraíso? Paraíso? Se era isso, ela estava morta. Como? Morto não sente medo, não se sente inseguro, não treme as mãos, não ouve insetos, não nada! Nada? De nadar? Sim ela estava nadando! Morto nada! Há!Há!há! Delícia!