segunda-feira, 16 de janeiro de 2017

Não quero ver você triste...

      As poucas notas iniciais daquela música fizeram minha mente viajar mais rápido do que o próprio som e cheguei na pequena casa noturna da década de sessenta. Nessa viagem vieram as emoções, os cheiros, o frescor das peles, a pureza dos olhares.
      Fechei os olhos cansados de tudo que enxergaram nesses anos todos que venho vivendo e curti apenas o passado. me senti com os meus dezoito anos, linda e pura. Chegara ao lugar no carro de um namoradinho, um carro baixinho, só para duas pessoas, poucos possuíam aquele modelo. Lembro bem o sucesso que fazia ao andarmos pelas ruas da cidade, que era menor e mais aconchegante. Meu pai, carinhosamente, chamava os bares deste tipo de inferninho! E vários surgiam e faziam sucesso!  Lá se dançava, se ouvia boa música, se amava, se conversava, se encontravam pessoas. Álcool só o rum da "Cuba Libre" ou a cachaça do "Samba". Outras drogas, pelo menos eu, nem ouvia falar! A que mais se curtia era a "droga" do amar! Sim, namorava-se muito, apaixonava-se muito, amava-se muito e, claro, sofria-se muito quando se perdia um amor!
      Voltando a minha viagem, ainda com meus olhos fechados, a música me levava a dançar pela sala do meu apartamento. Minhas pernas cansadas tentavam parar, porém a emoção me colocava nos braços do meu namoradinho. A casa ainda estava vazia, sentia-se o cheiro da limpeza que logo seria trocado pela fumaça dos cigarros, pelo suor dos corpos. O som penetrava limpo em nossos ouvidos e mexia com os nossos coraçõezinhos jovens  que aceleravam ao ritmo do lançamento. Era tão lindo, tão suave e, embora as palavras não tivessem nada a ver conosco pela história que contava, parecia que ela tinha sida composta para nós!
      Parei um pouco,  a idade me faz parar às vezes, todavia não consegui abrir os olhos. Não queria perder aquele momento. A melodia estava quase findando, eu sabia, eu conhecia, eu lembrava tão bem como se cinquenta anos não tivessem se passado. Abri os braços e os cruzei em meu peito, me abracei tão apertado que senti minhas mãos nas costas. Isso foi bom! Ainda no embalo das últimas notas, senti meu rosto sendo tocado por um carinho que, agora me dei conta, ficara impregnado em mim.

segunda-feira, 9 de janeiro de 2017

A raiva de cada dia

      Hoje está sendo um daqueles dias em que me seguro para não explodir de raiva. Raiva de quê? Não consigo saber, estou inquieta, não é ansiedade, é uma sensação estranha, daquelas que se tem a impressão de que algo do além nos impulsiona. Não paro quieta. Sento, levanto, vou à cozinha, abro a geladeira, como o que vejo pela frente e vem-me a cara daquele médico, idiota, sem sensibilidade. Ele não deve saber lidar com mulher alguma. Só por que eu já passara dos setenta supunha que podia ofender-me, dizendo coisas que arranharam a minha vaidade? É preconceituoso. Isso! Ele tem preconceito com velhos! Mas esté quase velho, falta pouco ! E daí? Como vai querer ser tratado? Hum!  O tal doutor tem três filhos, eu sei. Filhos que provavelmente fez num rompante de desejo, num ímpeto para saciar suas necessidades físicas sexuais, Isso! A mulher dele devia lhe botar uns cornos bem grandes e merecidos. Ele não sabe amar! Mas por que estou julgando aquele médico, já faz uma semana que estive em seu consultório. Estou arrependida de ter ido lá. Não foi o que esperava. Médicos! Se acham! O mergulho na ciência os deixa insensível, sem espiritualidade. Não todos, não, a maioria, principalmente, os famosos e os jovens. Ah, os jovens, coitados! Como têm de aprender com a vida! São tão prepotentes, precisam levar belos tombos, mesmo que sejam pelo peso dos cornos; precisam ter filhos que não os satisfaçam e os enfrentem para caírem em si e baixarem a crista! Vou dormir. passou a raiva! Amanhã tenho consulta com o tal do médico!