quarta-feira, 25 de maio de 2016

Ele era só meu!

        Acordei e ele não estava lá. Como assim? Jamais me abandonara, nem por poucos segundos. Sempre fora  meu refúgio, meu alento.
        Havia dias que, ao olhar para ele, sentia que estava feliz, ele brilhava e me dava a certeza de que meu dia seria bom pois forte me defenderia. Era assim que eu pensava. era assim que eu me relacionava com aquele elemento que de alguns anos para cá fazia parte do meu dia-a-dia.
        Às vezes, ele ficava sisudo, não brabo. Nunca o vira em fúria. Acho até que ele nem sabia ter raiva, por exemplo. Apesar de parecer sério, havia por baixo daquela aparência uma calma invejável, uma calma segura, uma calma poderosa e constante.
        Engraçado, de certa maneira, sempre estive perto dele, porém ele não estava perto de mim. Agora, ele viera, postara-se ao meu lado, e eu o deixei ficar. Fazia-me bem abrir os olhos e tê-lo ali como uma pintura sagrada. Antes, quando eu não o tinha diariamente, mesmo assim o sentia, ouvia seus amigos, sabia que estava por perto. o gigante cuja presença me alegrava, fazia parte de conversas, e muitas vezes era tido como culpado de algum evento mais triste. Eu sempre fora fascinada por ele
      Aqui, aprendi observá-lo e a tirar dele a energia que me faz viver melhor! Tenho certeza de que é só meu, mesmo que não seja. O que importa é o que sinto, o que importa é como me sinto. Quando o apresento e falo dele a alguma visita, muitos dizem que estou delirando.
        Em delírio entrei hoje pela manhã quando não o vi, quando o procurei de janela em janela e não encontrei. Para onde fora? Quem o teria levado? Estaria nos braços de alguém? E na  tristeza em que sucumbi meu pensamento navegou em certas profundezas de meu ser. O seu sumiço me fazia mal. E a tristeza virou raiva.  Raiva da bruma fechada que tomara conta do horizonte. Raiva dela que tirara de mim o meu rio, o meu querido rio Guaíba!
       

terça-feira, 17 de maio de 2016

A Volta

        O ônibus já não andava na mesma velocidade. Meu cochilo sentiu isso e despertou. O dia estava nublado, mas a paisagem estava lá. Passava ligeiro, eu queria ver os detalhes, mas fugiam do meu alcance. Meus olhos corriam atrás do que estava por vir e a dificuldade se repetia.
        A cidade era a mesma em que eu passara os verões de cinquenta e cinco anos de minha vida. Quantas recordações! A vida me fizera não mais voltar ali, não mais ter meus verões na velha casa amarela onde vi minha infância e adolescência passarem repletas de emoções, emoções de amores, emoções de dissabores, emoções de desespero, emoções de alegrias, muitas alegrias, de felicidades! Difícil lembrar de todas. Elas pipocam em minha mente de forma desordenada enquanto meus lábios abrem-se num sorriso incontido. Sinto a umidade das lágrimas da saudade tomando conta de meus olhos.
      E a casa amarela viu meus filhos crescerem, aprenderem a não usar fraldas, a largarem a chupeta, depois a mamadeira, a andarem de bicicleta, a criarem suas emoções e formarem suas recordações. A música, as apresentações na garagem para os vizinhos. A formação de suas profissões. As namoradas, as esposas, os amigos, os bolos da avó, os churrascos de domingos. E ela, a casa amarela, sofrendo às intempéries, mas curtindo os acontecimentos.
      Os netos chegaram, e ela viu parte de suas vidas. As subidas nas árvores, os pique-niques lá no alto. Eu a mandar por uma cestinha amarrada numa corda os comes e bebes deles. As novas crianças, novas amizades. A piscina de armar no grande pátio, os jogos de futebol. As bananeiras, que só davam frutos no inverno, mas que serviu para apreciarmos as belas flores delas no verão. Grandes ensinamentos. A tudo ela presenciou, abraçou com sua simpatia, com jeito de uma grande mãe de todos nós.
        Um dia, tivemos de vendê-la e não mais a tivemos em nossas vidas, só em nossas mentes. Tempos depois foi demolida, suas madeiras, em cujas entranhas estávamos todos da família, levaram nossos pedaços despedaçados pela saudade. Sobraram as fotos, as memórias.
       O ônibus chegou à rodoviária. Cheguei. Voltei. Voltei a Tramandaí, voltei para trabalhar, voltei para sentir o vento da terra acariciar meu rosto, ver o mar que tanto me embalou em suas ondas.
       Lá está minha amiga para me levar ao local da labuta!