domingo, 6 de outubro de 2013

A raiva da vida

     Naquele domingo, ela acordou raivosa. Engraçado como os sentimentos surgem, sem que sejam chamados. Parece que não há como determinar: agora quero sentir amor; agora prefiro o ódio; não, é melhor amar; bem bom seria se, neste momento, eu me enchesse de saudade. Não, eles vêm, tomam conta da gente sem serem chamados.
     Ela sentiu raiva da cama, que a fez perder algum tempo, pois ficara ali,  atirada, sem nada fazer, como se a vida fosse feita de um punhado de momentos de relaxamento. Ficou com raiva pois a borracha do vaso estava velha, rachada e, ao dar descarga, inundava uma boa parte do piso. A raiva foi maior, quando, ao lavar o rosto, quase queimou as rugas, aquelas infelizes que não paravam de aparecer para dar bom dia, boa tarde, boa noite. Havia aberto a torneira para o lado da água quente. Enchera-se de raiva quando, ao abrir a janela do quarto, o vento que estava  forte, além de esfriar aquelas que quase haviam se queimado, fez a cortina esvoaçar e enrolar-se em seus cabelos, cegando-a até desvencilhar-se. Depois "delicadamente" ele, que soprava do sul,  fez a porta do quarto bater, trazendo poluição sonora aos seus ouvidos, que jã não suportavam muitos ruídos. Mais uma vez o sentimento tomou conta dela quando, ao chegar à cozinha, louca para tomar seu desjejum, viu a pia lotada de louças e panelas da noite anterior. Por que deixara para fazer depois o que  podia...? O ditado a vem comandando há tanto tempo, mas às vezes, ela insiste em não obedecê-lo. Dessa vez a raiva foi dela mesma. Imaginem a raiva que deu quando, depois da louça e panelas lavadas, deu-se conta de que não tinha ido ao supermercado e de que não tinha mais café. Café! Como ela iniciaria o dia, esse que começara tão cheio de raiva, sem, pelo menos, um gole de café? Tomou o achocolatado dos netos. Sentou-se frente ao computador para ler os emails, e a raiva renasceu, só havia emails de propaganda, nenhum de algum amigo, muito menos com palavras amorosas. Ah, palavras amorosas! Há quanto tempo não ouvia! Fechou raivosamente o programa de emails, que levou um tempão para obedecer seus comandos, seu PC estava velho. Velho como ela! Entrou no tal do Facebook, e lá só viu fotinhos de crianças, como se todos tivessem insatisfeitos com seu presente e precisassem lembrar a época em que a raiva não tomava conta das pessoas.
     Parou tudo, dirigiu-se ao quarto de dormir, deitou-se novamente em seu leito, fechou os olhos. Lembrou as histórias que ouvia de seu pai quando era pequena, lembrou as festas, cheias de música e alegria, que aconteciam em sua casa, lembrou as brincadeiras com suas amiguinhas, lembrou o dia em que aprendeu a andar de bicicleta no grande parque onde, todos os domingos, seu pai a levava a passear. Mastigou a raiva, engoliu-a com a doçura das lembranças, esqueceu-a e encheu-se de felicidade. Tomou um banho, vestiu uma roupa confortável e foi para a rua viver as alegrias da vida de hoje. Diferentes, mas alegrias.
   

sábado, 28 de setembro de 2013

Da janela dela

     Todos os dias, no final da tarde, ela sentava em sua cadeira. Não era qualquer cadeira ou poltrona, era a sua cadeira de "papai". Ali descansava as costas doloridas das tarefas já pesadas da casa, as pernas cansadas de tanto andar para lá e para cá e de onde tinha uma vista diferente a cada dia. Ficava meio em diagonal com uma das janelas da sala, encostada à parede oposta à rua. E enterrada nas almofadas já meio duras de tão usadas, nossa amiga ali ficava até que todo o espetáculo a que gostava de assistir se encerrasse.
     Daquele lugar, nossa espectadora não conseguia ver além do céu. Era uma janela, mas seu ponto de vista era o infinito. E o infinito lhe dava infinitas e surpreendentes lições de como se pode preencher um vazio. Havia dias em que o azul celeste tomava conta e com ele a paz chegava e se aninhava; porém, havia ocasiões em que a sensação era de que alguém pegara um pincel, enfiara em potes com diversos tons de vermelho e com ele riscara, sem nenhuma caridade, a tela que a natureza ali colocara, trazendo a paixão, o calor dos desejos; às vezes, quando o astro rei já estava se recolhendo dava ao palco de nossa amiga a cor rosa das lembranças de amores juvenis; no entanto, em alguns dias, tinha-se a sensação de que nenhuma cor mais existia no mundo, somente aquele cinza que não nos remete a nada melhor do que à tristeza de uma saudade, às lágrimas de um pesar, à dor de uma partida. 
     Hoje esse cinza tomou conta da janela da nossa amiga, e ela não gostou. Não era o que queria. Estava precisando de algo mais e sentiu-se decepcionada. Decepcionada com sua janela, decepcionada com a natureza, decepcionada com sua vida. Vidinha que considerou medíocre, simplista e improdutiva. Levantou da cadeira, buscou querosene, acendeu um fósforo e queimou, queimou seu trono, queimou sua mediocridade. Deixou as labaredas tomarem conta de tudo, saiu porta a fora, bateu-a e, sem se virar, sumiu no infinito.

quarta-feira, 25 de setembro de 2013

Como eu te amei

     Como eu te amei! Hoje escutando uma música cuja primeira frase, em espanhol, era "Como yo te ame", dei-me conta de que ela podia ser a música da minha vida. Como eu te amei! Como!
     O sangue da juventude fervendo alimentava aquela paixão. Era um sentimento indescritível, aliás, eu nem sabia que aquilo era o que era. Só muitos anos depois dei-me conta do tamanho daquele sentimento, pois nunca mais ele voltou, o sentimento, e ele também não. Eram momentos plenos, repletos da pureza macia do primeiro grande amor. Tudo parecia estar iluminado, tudo parecia emitir canções de amor pelos poros, pelas frestas, pelas sombras. Ah! Tudo era tão lindo e parecia que nunca mais terminaria.
     Quando se tem quinze anos e se recebe a graça de conhecer o que é amar, é como se imunizar contra todo o mal, toda a infelicidade, toda a solidão, todo o desamor que possa vir depois. Não importa o tempo que durou este amor porque a sua intensidade deu a força para resistir às desilusões, aos desafetos, às injustiças, aos socos que a vida acaba nos dando. Quando se tem quinze anos, deixamos a vida nos levar sem que se pense nas consequências. Então, se um imprevisto floresce a nossa frente, damos-lhe um empurrão, ele vai para o lado, depois para trás e achamos que nos livramos. Sacudimos a poeira e vamos de cara, de nariz em pé, de cabeça erguida enfrentando o que aparece, achando que tudo o que é bom volta, acontece de novo, repete-se como o dia amanhece depois da noite, e a noite chega depois do dia.
     Um dia, quando não se tem mais quinze anos, quando não se tem mais a mesma coragem e vitalidade, quando nosso nariz não consegue mais se manter tão empinado, quando nossa cabeça insiste em olhar para o chão, aos poucos, nosso coração se ilumina de sabedoria para nos mostrar o que não víamos na juventude. E, para uns com o choro do arrependimento, para outros com a conformidade serena do tempo que passou, lembramos o quanto fomos abençoados por ter conseguido viver tantas e tamanhas emoções, por termos sabido o que é amar.
     Como eu te amei!




sexta-feira, 20 de setembro de 2013

Não era pra mim

     Eu não acredito! Logo agora que eu ia tentar conquistar esta loirinha, ligam essa porcaria de chafariz. Virou moda. Em todo o lugar decidiram colocar esses jatinhos de água que saem do chão. Olha só, em vez da água sair de dentro do laguinho para fora, ela vai de fora para dentro, e vem de todos os lados. Não é sempre que estou disposto a me molhar.
     Mas vou puxar um papo com ela assim mesmo. Se essa gatinha, opa, modo de falar, não sou chegado em felinos, então, se ela me der um pouquinho de atenção, com certeza vai acabar caindo na minha. Moreno, gostoso e forte como sou não há quem resista. Espero que a dona dela não me leve a mal. A minha é uma safada, diverte-se com minhas conquistas.
     Pensando bem, essa aguinha está me excitando. Nada como rolar molhadinho por aí com uma bela presa nas patas. Ela vai gostar. Vou dar aquelas mordidinhas no pescoço dela e depois nas orelhas. Oh! Já estou ouvindo seus gritinhos de prazer, quer dizer, seus latidos e gemidos. Lá vou eu.
     Pensando bem, acho que vou esperar um pouco, está tudo muito molhado, e se eu escorregar e bater, sem querer nela, antes do momento certo, vai pensar que sou um ousado, daqueles conquistadores baratos, que só querem se aproveitar. Toda a cautela é pouca nesta hora. O negócio é ter paciência para ter um bom resultado. Já imaginou se ela se apaixona por mim e decide vir morar comigo? Que encrenca iríamos arranjar. Cada vez que tive a sorte de encontrá-la por aqui, notei que meu coração bate diferente. Porém não tenho a mínima ideia de onde mora. A dona dela é aquela ali de calça de brim apertadinha. Eu já devia tê-las seguido, mas essa mania de não incomodar minha dona, às vezes, me atrapalha. Então, vamos lá, coragem, lá vou eu.
     Ah, não! O metido do cachorro do vizinho não perdeu tempo. Sai daí, seu nojento. Não, não chega perto do focinho dela. Bota essa língua para dentro, seu assanhado. Ela nem está te dando bola. Ou está? O que é isto? Não! Hora de ir embora? E a minha "gatinha"? O quê? Não acredito! Está se refestelando com esse vira-lata. Bem feito. Quem mandou eu ficar fazendo tantas conjecturas. Babacão! Não! Babacona! Sou demais para o biquinho, ops, para o focinho dela!

(Foto tirada em Charleston, Georgia, USA, em fevereiro de 2013)

terça-feira, 10 de setembro de 2013

Arco-íris

     E quando olhamos para o céu depois da chuva, ele estava lá, imperativo, dividindo o mundo em dois. De onde estávamos, a sensação que tínhamos era que, daquele momento em diante, tudo seria diferente. Poderíamos escolher se queríamos viver à direita ou à esquerda. E começamos a brincar de o que faria parte do mundo de um lado e o que pertenceria ao outro. E foi assim que nos demos conta de que somos todos muito diferentes um dos outros.
     Alguns queriam que de um lado só houvesse coisas doces: doces doces, cores doces, palavras doces, sentimentos doces, melodias doces. Houve aqueles que acharam que o doce acabaria por nos enjoar e do outro lado veio o amargo e com ele o amargo sabor das desilusões, a amarga dor das palavras ofensivas, o amargo pesar das perdas, o amargo sofrer da violência. Então os do lado doce chegaram à conclusão de que do lado deles estariam os rios, as relvas, as montanhas, os lagos. Junto ao amargo, decidiram que deveriam estar os oceanos, os desertos e a neve. E assim, cada grupo foi preenchendo o seu lado com aquilo de que mais gostava. Ao lado das doçuras, dos rios, dos campos e das montanhas colocaram os peixes, o gado, os animais domésticos, os pássaros. E  junto à amargura, aos oceanos, aos desertos e à neve, vieram as baleias, os tubarões, os animais peçonhentos, as aves grandes.
     Tudo estava assim se dividindo quando um menininho olhou para o céu e perguntou onde estava a tal da divisão. Todos ergueram as cabeças à procura do arco-íris e se deram conta de que, enquanto deliravam na discussão da escolha das coisas do mundo, haviam perdido o espetáculo uqe a natureza mandara para embelezar e dar alegria ao homem. Este, como sempre, em vez de curtir o momento, perdeu-se em pensamentos sem fundamentos, supérfluos e fúteis.
     Não há um mundo com isso e outro com aquilo. Tudo é necessário, tudo faz parte, tudo está na seu devido lugar, na hora certa, e tem o seu tempo de duração, não é senhor Arco-Íris?

(Foto tirada em Xangri-lá, RS, Brasil, em janeiro de 2009)

sábado, 7 de setembro de 2013

A espera (dois)

     Estou com medo.
     Foi isso que ela pensou antes de se despedir daquele quarto onde tinha passado os últimos anos de sua vida. Quando a colocaram ali, ninguém  lhe perguntou o que achava da decisão. O tempo passou, e as poucas visitas que recebia nos primeiros meses de seu isolamento, acabaram esgotando-se, e ela ficou só. Só com seus pensamentos, com suas sombras, com seus ruídos, com suas lembranças. Lembranças cheias de dúvidas e questionamentos. Por que estava ali? As chaves? Por que não tinha as chaves. Sentia-se fraca. O sol. Onde estava o sol? Quanto tempo ficaria ali? Por quanto tempo deveria esperar? Esperar por quê?
     Um dia vieram uns homens e abriram um buraco na grossa parede da torre do castelo e fizeram uma janela para ela. Uma janela com grades de ferro e vidros, os quais jamais foram abertos. Aquela janela passou a ser o mundo dela. Por ali ouvia o canto dos pássaros, por ali via as noites chegarem e os dias nascerem. Encantava-se com a chuva que molhava a copa das árvores que lhe enchiam de verde os olhos já cansados do marrom dos móveis velhos da reclusão. Apreciava, ao longe, os telhados das casas onde as pessoas da cidade viviam livremente. E ela imaginava o que cada um podia estar fazendo. Em seus sonhos acordada via casais se amando, crianças brincando, idosos arrastando pés, brigas, festas, tudo de que não mais participava.
     Hoje a porta se abriu. Ela avistou, primeiro, o assoalho brilhoso por onde agora arrastava os pés como os velhos de seus devaneios e, ao erguer com dificuldade a cabeça, avistou lá ao fundo o grande arco que a esperava. E soube. Dali teria a sua liberdade, dali abriria suas asas, dali sairia para nunca mais voltar. E foi assim que ela se foi e nunca mais voltou. Foi encontrar-se com os raios de sol, com os pingos da chuva, com o canto dos pássaros.

(Foto tirada num dos aposentos do Castelo de Edimburg na Escócia, em 2011)




domingo, 1 de setembro de 2013

A espera

      À noite, estaremos em Londres. Há quanto tempo aguardando o momento de estarmos vivendo a nossa vida, a vida pautada pela liberdade. Enquanto te espero, relembro tudo que nos fez felizes até hoje. Agora é vida nova.
     Cheguei cedo, a ansiedade não me deixava em  paz, não aguentava mais ficar naquele quarto, mesmo sabendo o quanto ele fora importante para nós. Saí quando o sol ainda estava fraco e o ar da manhã no campo ao lado da estalagem carregava a umidade que lavou a minha alma machucada por tantas incompreensões. Por que é tão difícil entender que fomos feitos um para o outro?
     Desde que aqui cheguei, vários trens já passaram, mas em nenhum visualizei a alegria que a cada minuto toma conta de mim. Em minha mente ecoam tuas últimas palavras ontem, embaixo da árvore de nossos encontros. Proferiste tantas juras, tantos desejos que nem sei se mereço este teu amor. Claro que merecemos, nada fizemos de errado a não ser ter um sentimento tão grande um pelo outro que acabou trazendo inveja a muitos.
     Estás demorando, deve ser a minha vontade de te ter por perto. Meu estômago parece pedir comida, mas acho que é a sensação de vazio por ainda não teres chegado. Não quero sentar-me. O cansaço está, aos poucos, subindo pelas minhas pernas; no entanto, quero estar em pé quando me vires. Em pé e de braços abertos. Sim. correrei ao teu encontro e te abraçarei como nunca. Será o primeiro abraço do início de nossas vidas juntos.
     O sol brilhou muito todo o dia. Gente chegou, gente se foi. A noite inundou a plataforma e o meu peito apertado parece que vai estourar. Já entendi, não tiveste coragem. E eu, na ilusão de um dia ser feliz aqui estou, a tua espera. Eu sei. Não vens. Eu sei. Compreendo. Eu sei. Tudo terminou. Eu sei. Adeus!

(Foto tirada em uma das estações de trem entre Londres e Glasgow, em outubro de 2011)
   




sábado, 24 de agosto de 2013

Uma janela!

           Finalmente ela está aberta. Ano após ano, diariamente, eu parava a minha vida por alguns minutos para ficar olhando e esperando que algo acontecesse, algo que me desse qualquer ideia sobre o que ela escondia. Hoje, quando abri a minha janela, ela já havia escancarado um sorriso para a manhã que iniciava repleta de alegria e prometendo belas surpresas. Esta era a primeira. O que mais me esperava?
          Passei o dia, largando o que fazia para dar uma olhadinha na minha vizinha. Cobri-me de uma ansiedade gostosa que foi, aos poucos, se diluindo até o entardecer. Nada aconteceu. O fato dela estar aberta, de estar deixando os raios solares penetrarem sua intimidade, de estar aguçando a curiosidade dos que ali passavam, de parecer querer ser igual a qualquer outra, não revelou nenhuma novidade. Dali nada se ouviu, nada se viu, nada aconteceu, nada foi revelado. Tudo estava exatamente como sempre estivera.
          A noite foi chegando e enchendo de sombras a minha rua, a minha casa, a minha vida. E assim, no escuro, como fazia quase todas as noites, arrastei meus pés de um lado para o outro, de uma parede a outra, numa espécie de ritual noturno à espera daquele que parecia não simpatizar muito comigo, o sono. Este nunca fora muito amigo meu. Costumava me abandonar em meio a pensamentos tristes. Eu já me conformara com minha sina. Conhecia os sons da madrugada, sentia o perfume das flores noturnas na primavera, identificava as mudanças climáticas apenas pela sensibilidade da aragem no rosto. Fui certificar-me de que tudo estava na seu lugar, as árvores, as folhas caídas, os insetos noturnos. E eu vi.
          Sim, do primeiro andar, onde estava, vi o interior da casa da frente. Havia uma luz quase imperceptível acesa, como se fosse uma vela, e entre móveis antigos andava, melhor, flutuava, uma linda mulher. Seu vestido era longo e branco, acho que era uma camisola, tão longo quanto seus cabelos ruivos encaracolados. Ouvi, muito suavemente, a melodia que a embalava.  Ela dançava. Eu pasmo com tanta beleza não mais me mexia. Meus olhos acompanhavam cada gesto, cada passo, cada movimento daquela que parecia ser um anjo que descera do céu. Então, ela veio até a vidraça e me olhou.
          Respirei fundo, estendi as mãos, e ela me buscou. Buscou e me levou!

(Foto tirada em Charleston, Georgia, USA, em fevereiro de 2013)

     
       


quinta-feira, 22 de agosto de 2013

Numa manhã de domingo

O domingo estava ensolarado. O caminho que havia pegado era desconhecido. Pelo menos eu não havia passado por lá ainda, no entanto ficava próximo à minha casa. Quis aventurar-me. Tomei uma estradinha de chão batido, esburacada, provavelmente, por causa das chuvas que tinham caído durante a semana que passara. A sensação de liberdade tomava conta de mim. Estava feliz e ria sozinha. Fiz uma curva para direita e o cenário me encantou. Ali, naquele trecho, as árvores formavam uma espécie de túnel. De cada lado da pequena estrada, nascia, ao som de martelos, batidas de madeiras, serra, vozerio masculino, uma cidade que, em poucos dias, traria do passado e das raízes do meu recanto as mais distantes tradições. Eu amo tudo isso. O que me incomodava eram os buracos que faziam com que eu pulasse muito em cima do banco da minha "bike", como dizem agora. Pedalava, apreciando tudo o que podia, e a alegria tomava conta de mim. Lá ao fundo, onde parecia que não haveria saída, eu tinha a esperança de encontrar algo, não sabia o quê. Talvez o rio, talvez uma outra estrada, não vinha ao caso. Minha curiosidade sempre fora aguçada e sempre me levara a novos caminhos,  não era a idade que me faria mudar. E assim fui até que avistei algo se movimentando que vinha na minha direção. A princípio não sabia se era um animal ou uma pessoa, mas, à medida que nos aproximávamos, aquele ser ia ficando mais claro. Ele caminhava cambaleando de um lado para o outro, era baixinho e carregava sacolas grandes, cheias de caixas de papelão nas duas mãos. Eu continuei na mesma trilha, e ele também. Estávamos cada vez mais perto. Então eu vi que ele me olhava fixamente, como se eu fosse um alvo a ser atingido. Eu não me afastava, aliás, não tinha para onde ir , para onde fugir. mas eu não estava com medo. Tinha a sensação de que nos conhecíamos, pobre idiota eu, sempre com a mania de confiar em todos e em tudo. O cheiro que exala de suas roupas já tomavam conta do espaço e, quando menos esperei, fui atingida pelas caixas que ele jogava furiosamente sobre mim. Não pensei muito, não reagi, apenas fugi. Consegui me desvencilhar e pedalar para longe da criatura. Quando senti que estava distante, parei e olhei para trás. O homem continuava esbravejando e me olhando com muita raiva. Senti medo, mas não havia mais perigo. No combate desta manhã, saí vencendo. Ele não parecia ter raciocínio suficiente para me enfrentar. Andei mais um pouco, olhei novamente, e ele continuava lá, furioso, olhando-me. Acabei dando  de cara com o rio e, à beira dele, tirei, com o calor do Sol, os fantasmas que haviam me perturbado. E o meu agressor? Conseguiria ele livrar-se dos fantasmas dele?

sábado, 17 de agosto de 2013

Eu moro numa cidade...

Eu moro numa cidade que, se numa manhã de sábado ensolarado, você decidir andar de bicicleta por um de seus parques, vai ser surpreendido com atividades que encantam. Ao começar a pedalar, é provável que ouça, ao longe, uma banda tocando. E no empenho de lá perto chegar, ao acelerar a pedalada, vai encontrar soldados com sua fardas impecáveis, barracas com atividades para os que ali passam, tanques de guerra onde crianças podem subir e explorar parte por parte da engenhoca.Bonecos em tamanho natural, vestidos com uniformes para cada atividade militar estarão espalhados por ali, podendo até confundir alguém menos avisado. E, não só os jovens, mas também os adultos, quererão tirar fotos como se estivessem encontrando personagens dos grandes parques do Walt Disney. Finalmente, ao aproximar-se da banda, você pode sentar e ouvir belíssimas melodias de repertório internacional. Continuando sua andança pelo local, passando por idosos, cadeirantes, cachorros, pipoqueiros, vendedores de água, aos poucos, a música vai mudando e a marcha que era ouvida se transforma num tango de Gardel, tocado e cantado por três rapazes argentinos. Avista casais que dançam e se beijam ao som e ao sol. Pode seguir por caminhos entre árvores e sentir-se livre, sim, nada dá melhor sensação de liberdade do que andar sobre rodas, deixando o vento esfriar o calor do rosto. E aqui, neste parque da minha cidade, tem um grande lago, onde vocês pode andar de pedalinho e viver recordações de infância, mais longínquas para uns, menos para outros, mas todas cobertas de muita emoção, com certeza . Hoje, especialmente, hoje, os festejos do Dia dos Soldados, trazem a possibilidade de embarcar num bote de guerra inflável e sentir-se personagem de algum episódio de guerra em meio a carpas e tartarugas. E, se, depois deste passeio, você decidir descansar, pode sentar-se ao sol, repousar a cabeça para trás, colocar as pernas sobre a roda traseira da "bike" e dar uma bronzeada na face sem cor dos dias de inverno aqui do sul. Foi isso que aconteceu comigo há pouco. Estou feliz! Não quer vir morar comigo na minha cidade? Vem!

quarta-feira, 14 de agosto de 2013

A porta da minha vida

Aquela porta sempre me deixava intrigada. Grande, pesada, bonita. Nunca a vira aberta. Limpa, sim, sempre estava limpa, bem cuidada, apesar de velha. Madeira boa! Também nunca vira alguém por perto, parecendo ter alguma relação com ela.
Essa minha curiosidade vinha desde os tempos de infância quando por ali passava ao ir para a escola. Jamais falei com minhas colegas sobre ela. O segredo parecia estar nela e em mim.
Um dia, eu estava perto dos vinte, fazia arquitetura, decidi chegar mais perto. Meus olhos pareciam que queriam comer cada detalhe. Tudo era impressionantemente bem feito. Mas pasmem! Não havia fechadura, havia aquelas argolas de ferro torneado, usadas para se bater na madeira e, assim, chamar atenção de quem lá dentro estivesse. Foi isso que fiz: agarrei-me às duas argolas e, com muita força e intensidade, bati. Bati insistentemente, não conseguia parar. Aquele som parecia estar me encantando demais. Senti-me brincando. Direita, esquerda, direita, esquerda.Tinha a sensação de que, no momento em que alguém me atendesse, um mundo diferente iria se apresentar. Não sei por quanto tempo repeti essa ação. Só sei que cansei. Cansei e fui me encostando nela. Meu corpo foi escorregando, exausta. Exausta, mas divinamente feliz. Quando lá no chão meu peito, encostou, o dia estava indo embora. Escurecia e, pela fresta que a separava da soleira de mármore onde eu agora descansava, uma luz foi me sugando. Tive a impressão de que eu havia virado um pedaço de papel que é levado pelo vento sem ter vontade própria.
Hoje aqui estou, virei uma luz, pequenina, mas cheia de mistérios e sabedorias. Não me lembro de mais nada de minha vida, a não ser o que aqui relatei. Ninguém aqui chegou. Quanto tempo? Voltarei? Continuo sem saber o que se passa do outro lado, agora o lado, talvez da vida, mas não tenho mais aquela curiosidade. Tudo parece estar no seu lugar!

segunda-feira, 10 de junho de 2013

O lugar das coisas

Sabe aqueles momentos em que a gente se sente perdida, como se não fosse aparecer nada para resolver o imprevisto com que nos deparamos? Passa-se a mão à direita, porém lá não está o que se procura. A mão vai mais para cima, nada; desce um pouco mais do que o lugar normal, nem sinal do necessário; esfrega-se insistentemente os dedos por todos os cantos, em todas as direções e não se obtém sucesso. Respira-se e pensa-se: imagina, deve estar à esquerda. Lá vai então a canhota metendo-se em diferentes espaços, atrás, mais para cima, embaixo, mas... nadinha. Respira-se mais fundo, melhor, demoradamente, fecha-se os olhos como se fosse mais fácil ter uma ideia estando às cegas. Por um instante, faz-se a luz e a gente imagina ter descoberto o paradeiro do, aparentemente, sequestrado. Sim é o que se concluir. Entretanto, à frente, como se havia calculado, não estava. Por que não há um lugar certo, preciso, igual, não importando a quem pertença o ambiente? Afinal, este é um objeto precioso, indispensável! Por que, de acordo com a criatividade mirabolante do decorador ou mesmo do dono da casa, ele é colocado conforme o bel prazer de cada um. Não! Não poderia ser assim. Os usuários dessa forma, acabam indo à loucura, entram num processo de desconforto que vai num crescendo até, muitas vezes, chegar ao desespero. Eu mesmo já tive de levantar e sair à procura, com a roupa atrapalhando meus passos, abrindo portas e gavetas, encontrando o que não queria e até o que comprometia os donos da casa. Mas o que fazer se ele nem sempre está ao nosso alcance?

domingo, 26 de maio de 2013

Vidas

Sentada em minha cadeira preferida, na sala de meu apartamento, no silêncio, ouço os ruídos da rua. Não sei bem de onde vêm, mas conseguem chegar até meus ouvidos e me fazem imaginar o que está acontecendo. Chamam-me atenção os latidos de uma cão. Por que ele late? Não entendo muito de cães, mas a sensibilidade me dá sinais de que ele não está bem. Late muito, em altos brados, poderia ser dito. Deve estar sozinho. Sim, porque se assim não estivesse, suponho, já teriam ido ver qual o seu problema, qual a sua necessidade. Quantas vezes nós, os chamados racionais, sentimo-nos exatamente como esse cão. Quisera eu poder latir, latir muito, como os cães de grande porte que têm uma voz, se assim podemos dizer, que é ouvida a longa distância. Porém, nem sempre somos ouvidos. Para, para de latir cãozinho, que, no tempo em que vivemos, não há mais espaço para a atenção, não há mais espaço para o carinho, não há mais espaço para a paciência! Continuo aqui, em silêncio, e agora ouço o canto dos pássaros da rua. Soltos, livres, voando sem rumo, parando no galho que aparecer, na janela que lhe bem entender. Nem o canto desses que agora escuto está preso a qualquer regra pois impossível saber se é grande ou pequeno, preto ou branco, que ave é essa. Ser um ser qualquer, eis a solução. Não ter compromisso com o que esperam de ti, não se sentir amarrado aos laços, muitas vezes, já apodrecendo, dos que o cercam. Livre! Livre! Livre! O cão não para de latir, os pássaros...não se ouve mais o seu cantar.

terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

Dois pássaros!

O barulho de água quando abri os olhos naquela manhã, fez-me levantar logo e abrir a porta. Na noite anterior, quando ali chegamos não havia notado os detalhes do jardim do hotel. A cena que tive foi encantadora, pois exatamente a minha frente estava uma fonte em formato redondo, com três pratos, acho que posso chamar assim, os arquitetos que me perdoem, um acima do outro, de onde caía a água. Mas o mais doce eram os dois pássaros matando a sede, conquistando espaço no último e pequeno prato. Meu encanto foi tanto que os vi e os ouvi discutindo. Um, o mais gordinho, como todos os gordinhos, estava mais afoito e, sem muita delicadeza, fazia seu espaço, andando ora para a direita, ora para esquerda. Depois de algum tempo, dei-me conta de que o outro pássaro não era ele e sim ela! A doçura era tanta que, em alguns momentos, parecia que era de louça, de tanta formosura. Eu não me mexia de medo de assustá-los. Peguei a máquina fotográfica e me decidi que iria documentar aquele momento. Coloquei uma bolsa, apoiando a porta a fim de que ela não batesse e espantasse os dois. Saí, pisando o chão como se estivesse sobre delicados diamantes, não podia fazer nenhum barulho. Não podia estragar tudo com um tropeço ou um esbarrão. Ao chegar mais perto, estranhei que não se movessem mais, no próximo passo, constatei que algo estava errado. A um metro da fonte, a revelação: os pássaros eram pequenas estátuas, jamais se mexeram, estavam estáticos, na posição em que tinham sido moldados. Na verdade, nem eram tão belos como eu os tinha criado na minha mente romântica. A sujeira e o tempo já deixavam o amarelo de sua cor velho e feio. Nos pratos, a água não estava tão límpida como parecia de longe. Parei, pensei e cliquei. Por que não guardar a imagem que me tinha feito feliz? (Fort Lauderdale, FL, USA)

sábado, 19 de janeiro de 2013

Juntos, mas distantes!

"Tem tomado os seus remédios?" Foi assim que ela o recebeu naquele dia, depois de ter atendido um telefonema do chefe dele. Não queria acreditar no que estava acontecendo. Por que motivos, seu marido estava tendo aquele tipo de atitude negativa, egoísta, covarde. Esse não era o rapaz bronzeado e corpulento que havia vindo ao seu encontro numa manhã de janeiro de 1984, à beira da praia. Àquela hora, o sol ainda não estava com toda a sua energia, e a brisa do mar mantinha o frescor da noite enluarada. Momento mágico! A partir de então nunca mais se separaram, nunca decepcionaram um ao outro, nunca se enganaram. O que estaria acontecendo agora? Ele a encarou, tomou o rumo do quarto do casal, passou a chave na porta. Não estava disposto a dar satisfações de seus atos. Não era ela que enfrentava as batalhas em sua cabeça, não era ela que aguentava, dia após dia, as dores herdadas de mentes sem tolerância. Tomado os remédios! O que sabia ela dos remédios dele, das suas angústias, dos seus desesperos? Se pelo menos ele tivesse lhe contado no início de tudo! Agora já era tarde. Não, ela jamais saberia a verdade, não merecia... ou não era merecedora? É uma questão de escolha, de valor da relação: se não quisesse fazê-la sofrer ou não a achasse digna de repartir com ele seu destino. Batidas à porta perturbavam os ouvidos dele; as mãos delas já estavam avermelhadas de tanto tocarem a madeira dura. Os sinos da igreja do bairro pareciam não lembrar de como parar de tocar. A ele traziam recordações duras de uma infância cheia de obrigações; a ela levavam a pedir proteção e luz para a resolução do que estavam enfrentando. A música tocada pelo vizinho em seu saxofone penetrava as frestas da porta, das janelas, de todo o apartamento, das entranhas dos corpos separados, da mente dele, do coração dela. E em meio ao labirinto de emoções e contradições, a noite foi chegando e deixando tudo escuro, tudo sem explicação, tudo numa paz intranquila. Amanhã será um novo dia!

segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

Quando o pensamento voa...

"A partir de amanhã, você vai trabalhar na rua!" Foi isso que ouvi quando passei pela porta aberta de um dos apartamentos, na quarto andar de meu prédio. Naquela tarde havia dado um problema na energia elétrica do bairro e, segundo nosso zelador, uma fase havia caído, sendo assim, estávamos sem elevador. Eu, que estava disposta a fazer mais exercícios a fim de emagrecer um pouco, encarei as escadas. Calmamente fui subindo andar por andar. Então ouvi aquela frase. Não sei por que, mas ela me calou fundo e me fez começar a fazer suposições. Eu não conhecia quem morava ali, sabia que haviam se mudado há pouco tempo (quinto andar) e tinham vindo do interior. Sabia também que era uma família de quatro pessoas, um casal e dois filhos, parece que uma menina e um rapaz (sexto andar). A voz que dissera a tal frase era feminina e denotava uma certa idade. Quem teria sido o receptor? Se fosse a menina, seria um pouco duro,(sétimo andar) pois até onde eu tinha conhecimento, a menina tinha uns treze anos. Ninguém merece ir trabalhar na rua sendo tão novinha. Caso fosse o rapaz, até poderia ser,(oitavo andar) mas que tipo de serviço seria esse? O tom em que foi dita a sentença, sim, porque mais parecia uma sentença, passava claramente a ideia de que seria, vamos dizer, como um castigo. Por que isso? (nono andar) Não! E se fosse para o marido? Teriam eles um negócio em casa e, daquele dia em diante, as tarefas de banco, as cobranças e os pagamentos seriam feitos por ele! Então, quem mandava naquela casa era a mulher! (décimo andar) Ou seria a avó. Sim! Poderia ser uma família formada de uma avó, seu filho divorciado e o casal de netos! Mas, afinal de contas o que eu tinha a ver com aquilo? Foi aí que ouvi outra voz, agora masculina: "A senhora precisa de alguma coisa?" Era o zelador que saía de seu apartamento no último andar. O que eu estava fazendo no décimo primeiro andar se morava no nono?

quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

Um moço loiro!

Lembro como se fosse hoje. Tudo parecia tão sem graça na minha vida de adolescente, prometida para um cidadão rico da vizinhança. Era vinte anos mais velho do que eu, mas era bonito e cheiroso. Todos aguardavam a minha maior idade. A festa seria muito grande. O noivo pagaria tudo. Estava eu à janela, à noitinha. De repente, um carro, gritaria e alguém me chamando: - Vem, Joana! Vamos nos divertir um pouco! Era Marina, minha colega de aula na Escola Normal. Saltou dentro de mim um desejo quase incontrolável de sair correndo e entrar naquele carro. Porém o respeito pelas decisões de meu pai, por alguns instantes, falaram mais alto. Ir ou não ir, esta era a questão. Não pensei muito, abri a porta de espelho do pequeno armário do meu quarto, tirei um casaquinho , troquei os chinelos por um calçado e fui, fui sem saber para onde, fui ao encontro do divertimento. Divertimento... eu nunca soubera o que era divertir-se. Estava na hora. Sentei-me no banco de trás, mas o motorista pediu que eu fosse no da frente. Quando estava me acomodando, fui puxada e, como num golpe certeiro, encaixei-me embaixo do braço direito do loiro lindo de olhos verdes. Ele usava uma camisa listrada de verde e branco e tinha dentes lindos. Fiquei tonta com tudo aquilo, mas não demonstrei nenhuma estranheza. Não queria que soubessem da minha vidinha sem graça e sem experiência. O carro voava e com ele voavam meus pensamentos. Finalmente iria a um lugar que tinha a ver comigo, tinha certeza. E, ao chegar lá, foi como se mergulhasse num mar de emoções: dancei, cantei, fui abraçada, beijada, tornei-me mulher! Sim aquele era o meu lugar, aqueles eram os meus parceiros, aquele era o meu amor. Naquele delírio de prazer, esqueci-me da realidade e, quando ao amanhecer, cheguei ao meu bairro, dei-me conta de que talvez tivesse vivido um sonho. Sonho do qual não queria acordar. Mas na mesma rapidez que me pegaram, largaram-me. Largaram-me e nunca mais voltaram. À frente de minha casa estavam meus pais e meu prometido dono. A partir daquele dia nada mais aconteceu na minha vida. Não casei com o velho, que se sentiu traído, nem o loiro lindo me procurou mais. Hoje faz exatamente quarenta anos que tudo aconteceu; por isso estou à janela, quem sabe o tempo resolve dar uma volta e um moço loiro lindo de olhos verdes vem me chamar e me encaixar sob seu ombro! Ui, mas que não seja agora, preciso fazer xixi!

sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

Gotas, somente elas!

Elas pareciam estar mais nervosas do que normalmente estão quando surgem em nossas vidraças. Elas vinham em grandes grupos, umas mais cheias, outras menores. O vento não as deixava seguir seu caminho em paz. Normalmente quando se deparam com algum obstáculo, lentamente se conformam e iniciam sua descida para o final de suas trajetórias, suas vidas. Mas aquele vento forte de hoje fazia com que dançassem de um lado para outro, sem ritmo, mas com pressa. Uma pressa forçada e dolorida. Sim, com certeza, não queriam estar se debatendo como seres humanos em busca de abrigo, seres egoístas, seres que, na ânsia de salvar sua própria vida, atropelam, batem, derrubam, matam. Havia no som que delas se ouvia um certo tom de tristeza, um certo tom de inconformidade. Elas sabiam o quanto são importantes, o quanto são desejadas, mas não daquele jeito, não com aquela violência. Ah, se a sobrevivência delas dependesse somente delas como seria diferente. Não andariam nessa correria louca. Cairiam calmamente, uma por uma, sem machucar ninguém, sem destruir qualquer coisa que fosse, mesmo as mais frágeis. Ao baterem na terra, se espalhariam, penetrariam com delicadeza as profundezas do planeta e sua missão estaria cumprida no esplendor de um flor, na doçura de um fruto, no colorido do arco-íris quando seu amigo sol viesse secá-las. Ah, as gotas da chuva! Como são belas sem a intromissão do vento, sem o destempero do homem!

Desabafo

Há tempos que não escrevo aqui, desde de final de novembro de 2012. Essa coisa de criar, sim porque fiz essa opção: criar textos, criar pequenas histórias, não é tão simples assim. Há momentos e ocasiões em que, sem me dar conta, redijo uma narrativa que parte de algo tão insignificante, que talvez para outros não seria um impulso para surgir algo. É repentino e inesperado. Uma flor cujo cheiro me impressiona, um animal ou inseto que passa por mim, algo que avisto da minha janela, tudo pode dar texto, como na canção, tudo dá samba.
No entanto, há épocas em que todo e qualquer pensamento me parece ridículo, não me inspira, não me leva a outros mundos, outros tempos. Já tentei iniciar uma história, está aqui, guardada nos rascunhos, mas não deu! Uma força maior me fez parar, me fez desistir. Estou falando de uma sensação inexplicável. Poderia ser a época do ano, dezembro; talvez muito trabalho fora dessa área; uma crítica própria muito severa com minhas próprias criações; ou algo que alguém tenha dito que me fez perder um pouco a alegria de viver, de estar sempre em busca de uma novidade...
Como é engraçado, de uma hora para outra, sem que se espere, alguém fala sobre seu comportamento, sobre suas atitudes de forma agressiva e ressalta o quanto são negativas e o quanto fazem mal! Como assim? Jamais me passara pela cabeça que meu jeito de ser estivesse influenciando negativamente alguém. Meu velho pai, sim eu que já estou nos 66, nasci de um pai de 50. E já naquela era, sim porque isso foi em outra era - há, há - na metade do século passado! Aquela figura já me dizia que tudo que fizéssemos deveríamos saber que havia sido criado por nós e que as consequências seriam só nossas! Como hoje, no século XXI, alguém atira palavras e mágoas na nossa cara, como se fôssemos responsáveis por tudo que lhe acontece?
Olhem, cá estou eu redigindo um tipo de texto que não condiz com o objetivo do blog. Pessoas, escritores e jornalistas, que falam da vida e dão conselhos, temos muitos, uns bons, outros medíocres; por isso, a minha intenção ao criar este blog sempre foi de tentar divertir meus leitores com ideias diferentes, inusitadas, às vezes, verossímeis, às vezes fantásticas! É do que eu gosto. Porém, agora, escrevendo isto aqui, estou me dando conta de que, na verdade, eu estava tocada, sentida, bloqueada. Palavras são punhais disfarçados! Cuidado!