domingo, 25 de maio de 2014

Constatação

        Acordou com vontade de abraçar alguém. Sentir o calor do peito alheio aquecendo o seu. Ter um outro coração batendo dentro de si. Lembrou dos cheiros que fazem parte desse gesto. Cada um de um tipo, todos inconfundíveis, indescritíveis e inesquecíveis! Dos olhares trocados entre um e outro.
        Foi, então, que veio à memória o cheiro do cãozinho da infância. Sempre limpinho, e não havia pet shops! O calor do corpo peludo, cor de mel, roçando nas pernas jovens e fortes, estava impregnado em sua pele, agora notara. Quantas vezes o mandou sair de perto, outros interesses a chamavam. O olhar de pedinte que vinha a seguir, na época, não a sensibilizava. Porém, mais tarde, muito mais tarde, quando ele não mais existia, reconheceu aquele olhar. Sim, os velhos que encontrava andando pela rua sozinhos tinham o mesmo olhar.
        Seus pensamentos não paravam, sempre focando em lembranças saudosas. Era inverno. Deve ter sido a temperatura que a fez visualizar, lá num dia de sua adolescência, a gata. Não a conhecia, não era dela, nunca a vira. Veio lenta e sensual, subiu no sofá, enroscou-se na lã do tricô e dengosamente se instalou, sem olhar nos olhos. Outro calor se cravou.  Aquele felino não mais a abandonou até o dia, ou a noite, não tinha clara esta parte, em que sumiu. Desapareceu, levando os filhotes a que havia dado luz no quartinho dos fundos da casa. Sumiu ou sumiram com eles?
        Os abraços dos namorados!  Vinham-lhe agora. Saudade? Não sabia dizer. Mas eles também estavam nela. Quem? Os abraços ou os namorados? Ambos! Veio-lhe à mente alguns olhares! Fazia tempo que não tinha um namorado! Costumava dizer, às gargalhadas, que havia sublimado todo e qualquer desejo. Por que o riso? Também não sabia justificar. Ainda bem que riam com ela e nunca lhe perguntavam.
        Levantou da cadeira onde passava a maior parte dos dias, caminhou lenta e sacrificadamente na direção do quarto. Fazer o que lá? Não sabia. Movimentar-se um pouco. Aquela cadeira já era parecida com ela. Queria se livrar um pouco dessa convivência. Ao passar pelo banheiro decidiu entrar, sem ter necessidade. Entrou e deu de cara com aquele olhar. Sim, via no grande espelho, o olhar de pedinte do seu cãozinho, o olhar dos velhos, o seu olhar.