quarta-feira, 14 de junho de 2023

Os seres vivos que nos fazem companhia




     Alguns têm gatos, outros preferem cachorros. Graças a Deus, passarinhos em gaiolas são poucos. Há quem até adote uma calopsita. Estou falando de quem mora em cidade grande, em apartamentos, às vezes, até sem uma sacada.

    Eu, há muito tempo, optei pelas plantas. Tenho as que me protegem, como a Comigo Ninguém Pode, que já serviu de árvore de Natal de tão grande. Ficou linda iluminada! Das Espadas de São Jorge, tenho uma de folhas miúdas,  mas poderosas. 

     Porém, as que mais me encantam são as que dão flores. Minha Flor de Maio é tão idosa quanto eu. Dá flor ainda , mas em junho, está lenta. O meu vaso com ciclames já deu flor até em abril; no entanto, este ano, troquei-a de lugar e estou esperando ansiosa pelas lindas flores. Até a mini orquídea me presenteia com um chumaço de flores, lá por outubro. Tenho uma violeta roxa que comprei de pena por estar toda machucada, numa prateleira do supermercado. Está comigo há uns seis anos e me surpreende em setembro com muitas flores.

     Minhas duas últimas  aquisições foram uma folhagem que cai e tem folhinhas pequenas cujo nome mão sei, mas eu já a nomeei de Assanhada de tão linda e exuberante que está; já a outra, é um antúrio de flor vermelha que ainda não me decepcionou. Sempre florescendo.

     Ah, ia me esquecendo da pimenteira, que alegra a minha cozinha, embora não use  seis frutos nos alimentos. Quando aparece uma florzinha branca, sei que ali vem uma pimentinha vermelha.

     Sou muito feliz com minhas companheiras vivas!

terça-feira, 20 de dezembro de 2022

Qual levaria?


     Estava difícil! Não aguentava mais aquele tipo de vida! Esta não tinha sido sua escolha. Os fatos que aconteceram no decorrer dos anos, aos poucos, sem que ela notasse, tinham feito dela uma mulher só. Havia dias que, se não falasse com as plantas ou com a bola de pilates, que insistia em andar de uma peça para outra, não ouviria sua própria voz. Mas como não abrir as janelas e deixar o vento entrar? Precisava dele, trazia a sensação de vida. E a bola, às vezes, tinha de ouvir reclamações por estar fora do lugar.
    Mas naquela tarde, sentia-se abandonada, um rumor interno lhe dizia que estava no fim! Não queria que seu fim fosse assim, só! Sempre teve muita gente ao seu redor. Já nascera numa casa que vivia cheia de gente, e este hábito a perseguiu por muito tempo. De repente lembrou de uma parente que, numa determinada noite, quando estava se sentindo assim, pegara seu travesseiro e fora para casa de um afilhado. Dali nunca mais saiu. Isto só aconteceu quando foi para seu funeral. Ficou pensando se era este mesmo destino que queria para si. E em meio a seus questionamentos veio-lhe uma dúvida, um grande problema
     Qual travesseiro levaria? Aquele em que encostava sua orelha e parte da face, aquele que até devia conhecer seus pensamentos, tão perto deles ficava? No entanto, sabia que não conseguiria dormir sem o travesseiro velhinho e fininho, que ganhava sempre uma fronha macia e lisinha porque era o que ficava entre suas pernas, na altura dos joelhos, impedindo que os ossos em x se tocassem e se machucassem! Lembrou que este danado muitas vezes escapava e ia parar entre seus pés, sabe-se lá por quê. Mas e o macio que ficava à sua esquerda, pra onde se virava quando via que o sono estava tomando conta e o abraçava como quem abraça um grande amor? Difícil entrar em seus sonhos sem ele! De repente, veio-lhe a visão do pequeninho, presente de um dos netos. Não poderia deixá-lo abandonado! Tinha um carinho especial por ele. Eles morreriam de saudade. Ele dela, ela dele. Deu-se conta de que tinha mais um problema. O travesseiro confidente já não tinha altura suficiente para sustentar sua cabeça. E de uns tempos para cá havia adotado mais um que o ajudava nesta tarefa. Era muito útil e até um querido.
     Passou a caminhar pelo apartamento, tentando decidir quem iria e quem ficaria. Andou, andou tanto que percebeu que o rumor interior havia sumido. mas continuou andando até que chegou à conclusão de quem ficaria: ela!

domingo, 3 de abril de 2022

A menina encantada!




 

      Aquele muro, aquele portão! Eles a separavam de uma vida da qual não tinha a mínima ideia. Curiosidade? Tinha! Mas não lhe faltava nada. Nascera ali, fora criada ali, tivera uma infância divertida e cheia de surpresas com a natureza que fazia parte do seu mundo que não era pequeno. Podia correr, podia ir a diferentes recantos sem repeti-los por diversos dias. Tinha amigos! Sim, sabia tudo sobre as formigas, conhecia os pássaros e suas rotinas, identificava cada tipo pelo cantar, pela cor, pelo tamanho. Sabia o nome de todos. Como? Ah, o jardineiro lhe ensinava, apesar de ter ordens para não conversar muito com ela. A garota nem se dava conta disto. Ficava feliz com os ensinamentos e pronto.

      Havia um lago. Não sei se artificial ou natural, mas muitos tipos de peixes e tartarugas habitavam naquelas águas. E a menina conhecia cada um. Alguns até nomes tinham. Na verdade conhecia poucos nomes, então, repetia o nome da moça que cozinhava, adicionando números. Os números ela sabia, pois alguém, quando ela era bem pequena a ensinara a contar. Contava os passos, contava os móveis, contava as nuvens. Este alguém um dia sumiu. Nada lhe disseram, e ela achou que a vida era assim.

      Não assistia a programas de televisão, porque aparelho não tinha. Não lia porque não havia nada para ler, e ela nem saberia. Não ouvia música porque não tinha rádio nem qualquer outro instrumento que fizesse som. Todavia, a garota cantava, cantava imitando os sons que ouvia. O canto dos pássaros, o barulho da chuva, o rumor que vinha por cima do muro. Era do mar que ela não tinha a menor ideia de que existisse, de como era! Às vezes miava afinada, e os gatos da casa saiam em procissão atrás dela, e ela amava aquilo. Na maioria dos dias cantava antes dos galos pois acordava com os primeiros raios de sol. 

      Numa noite, quando já tinha uns dezesseis anos, houve um grande temporal que derrubou uma boa parte do muro, pois já estava muito velho. Ao parar a chuva, a mocinha saiu a caminhar pelo grande pátio e chegou ao muro desabado. Foi pisando os pedaços dele caídos, e, atônita, foi vendo tudo que havia do outro lado. Atravessou aquela fronteira e se botou a andar. Continua até hoje, sem saber quem é, sem dar-se conta de sua existência, lendo um novo mundo a cada lugar por onde passa. O jardineiro e a cozinheira nunca mais souberam dela.

     O povo a observa, a alimenta, dá-lhe abrigo, mas ela volta a andar, emitindo os sons que aprendeu. Uma vez ou outra, conhece um novo e passa a emiti-lo, inofensiva, encantada.

 

terça-feira, 14 de dezembro de 2021

Mostrar energia!

      Hoje à tarde assisti a um programa de competição entre pintores no canal Arte 1. Achei interessante! Para cada  etapa da competição os concorrentes recebiam uma indicação dos orientadores que, após cada trabalho concluído, faziam uma avaliação oral para o concorrente de maneira a ele poder melhorar na próxima. Uma das orientações me fez imediatamente pensar na escrita. Estando frente a um rio, foi dito aos pintores que eles deveriam mostrar, ao estilo de cada um, a força, a energia, a superioridade do que estavam apreciando.

      Para mim, pensando na pintura, achei que era simples, bastava escolher as cores, os traços, enfim, não minimizei, mas considerei fácil a tarefa. Imediatamente passei a fazer considerações de como isto poderia ser realizado numa narrativa com palavras, frases, enfim num texto.  Como se pensa bobagens quando se coloca ou não a razão a funcionar!

      Ora me poupe, senhora metida a escritora! Por acaso nunca fez um texto em que tivesse de mostrar sua força? Não a do seu corpo, seus braços, seus dedos, batendo as teclas de raiva! Não! Estou falando da força das palavras! Tá difícil, né? Claro, acha que escrever é ficar devaneando sem rumo, sem técnica, sem organização! Dá pena de lhe ver, muitas vezes, passando por analfabeta quando escreve, deixando que o coração tome conta! 

      E tem mais: não é porque você narra uma violência, uma cena de estupro, um assassinato, um tsunami que seu texto vai ser forte, vai ter energia! A energia está na maneira como distribui as ideias, escolhe os termos, formaliza as frases! É fácil! Não, não é fácil, é muito difícil. É gritar pelas palavras escritas, é violentar pelos sons, é cortar com uma navalha afiada o pulsar do coração do leitor através do ritmo, da pontuação. Você está me entendendo?

      Eu entendi, sim, entendi! Desculpem-me os pintores, confesso que ainda acho que é mais fácil usar pincéis e tinta! E você?




      

terça-feira, 7 de dezembro de 2021

Túnel Verde

      Você já sentiu a emoção de transitar por um túnel?  Nem sempre se tem esta oportunidade. Um túnel, aquele lugar fechado dos lados e por cima, o qual se adentra para alcançar mais rapidamente um lugar, um objetivo. Túneis existem na maioria das grandes cidades hoje em dia, pois facilita o trânsito.
      Porém o túnel de que estou falando não tem nada a ver com estes pelos quais passamos de carro, de ônibus, normalmente com os vidros fechados, em algum ou até alguns dias da semana indo para o trabalho, para os compromissos. E com certeza, se fizessem uma enquete sobre as emoções de passar neles, nada teríamos de muito alegre ou romântico, pois raramente damos ao nosso coração a chance de nos mostrar qualquer sentimento nestes trajetos.
      Há alguns anos , fiz a travessia do Canal da Mancha, entre a França e a Inglaterra pelo famoso túnel construído dentro da água. Lembro que entrei no trem, sim, esta é uma rota que se faz de trem, sentei, a máquina começou a se movimentar, tudo escureceu, e eu só lembro de acordar. Nada vi, nada senti, nada tenho para contar. É rápido? Sim, bastante rápido e é uma maravilha inventada pelo homem.
      Ontem, depois de almoçar com uma amiga que, durante esta pandemia, está morando em sua casa, entre o litoral e uma linda lagoa, peguei a direção de meu carro e voltei para a capital. São uns cem quilômetros por uma estrada pela qual há muito não passava. Já, ainda no município de Cidreira, notei não só a exuberância das grandes árvores, arbustos mas também o viço de suas folhas que faziam uma linda mistura de tons de verdes! No entanto, não sabia o que me esperava, o que realmente me encheria de prazer e alegria. Veio quase que de repente, depois de uma leve curva. Tudo ficou escuro, achei que o tempo havia mudado E, então, eu vi a beleza que a natureza nos dá numa simples emolduração de uma estrada. Por quantos túneis já passei, uns diferentes dos outros, super bem planejados, mas nenhum me presenteou com a emoção deste, o túnel verde! Quando estava perto do fim, quando a claridade começou a voltar, ousei, como sempre! Peguei o celular e saquei uma foto! Precisava documentar para poder repetir a emoção!     


                              

domingo, 7 de novembro de 2021

A virada!

     Um dia, sem que ela nunca houvesse pensado, veio-lhe uma ideia que pareceu  até praticável. Não era nada comum, nem acreditava que lhe dariam apoio, mas o que lhe interessavam os outros? Havia chegado numa idade em que o mais importante era fazer o que lhe fizesse feliz! E foi assim que iniciou o planejamento de sua virada na vida.

     Começou por seus armários. Por que tinha tantas roupas? Poderia passar mais de um ano sem repetir um traje. Que absurdo! Mas acabava se justificando, afinal cuidava muito de seus pertences. Tinha peças com mais de dez anos! Por quê? Aquela mexida afetou o seu psicológico e deu-se conta de que era apegada ao que suas roupas representavam, às suas memórias, aos seus momentos.

     Foi, então, que resolveu trocar de ambiente e foi para a sala, onde abriu, em primeiro lugar, um velho armário de guardar discos de vinil que hoje abrigavam seus cristais?!  Cristais!? Guardados! Raramente usados! Sentou numa velha poltrona e pôs-se a pensar nos anos em que não fazia uma festa em sua casa. Pensava e não conseguia saber há quanto tempo não abria aquela "cristaleira". Os bichinhos que lá estavam podiam dar a ela esta noção. Mexeu-se na poltrona e ouviu o ranger das molas e das madeiras. Outra coisa velha!

     Levantou-se e foi ao banheiro. Lá havia um grande espelho. E dos bons! Parou em frente a ele e ali ficou por algum tempo, analisando-se, tentando "lincar" a ideia que tinha tido com o que constatava. Não lhe era tão desagradável a figura que se tornara.  Não conseguia questionar nem julgar a virada que estava planejando. Distraída deixou cair uma moeda que achara dentro de uma taça na cristaleira e carregara-a junto ao banheiro, sem se dar conta. Havia ficado movimentando-a entre os dedos enquanto pensava se olhando. Agora lá estava ela no chão. 

     E foi esta moeda que a fez voltar à realidade. Abaixou o tronco para tentar pegá-la, mas viu que não alcançava. Forçou um pouco mais para baixo, e suas costas gritaram. Flexionou os joelhos, e eles reclamaram. Abriu as pernas. Uma questão de física. Isto diminuiria a distância entre a mão e a moeda no chão. Ótima ideia. Não adiantou. A moeda estava deitada sobre o ladrilho e seus dedos não conseguiam fisgá-la. Segurando-se na pia foi se levantando, caminhou se arrastando até o escritório onde pegou um bloco de notas e fez a anotação de mais uma coisa a solicitar para o primeiro filho ou neto, que viesse visitá-la, pegar.

     E assim, dando de ombros, voltou a sentar na velha poltrona, ligou a televisão e começou a rir. Não sei se dela ou do programa que estava passando. O que era a virada? Não sei! Ela não me contou!

domingo, 3 de outubro de 2021

Aos poucos.

    Aos poucos vamos nos acostumando à escassez, 

    à falta,  ao estar só, ao viver conosco mesmo.

    Aos poucos vamos nos esquecendo das vozes que nos faziam bem,

     dos carinhos que nos acalentavam, das alegrias que eram tão assíduas.

    Aos poucos vamos nos acostumando ao silêncio, 

    ao vazio, ao cinza de uma existência com raras cores.

    Aos poucos vamos aprendendo  a não elaborar projetos, 

    a não ter consciência do pensamento,  a não lutar.

    Aos poucos vamos aceitando as limitações, 

    as mudanças, as perdas.

    Aos poucos vamos nos dando conta da finitude, que não nos larga, 

    e passamos a aceitá-la, revestida de paz.

    Aos poucos começamos a ver o quanto éramos bobos ao correr atrás do ter razão.

    Aos poucos o riso silencioso toma conta de nós 

    e pensamos no passado não com saudade, mas com orgulho e glória.

    Aos poucos vamos deixando que os mais jovens corram, gritem, briguem, lutem!