terça-feira, 20 de dezembro de 2022

Qual levaria?


     Estava difícil! Não aguentava mais aquele tipo de vida! Esta não tinha sido sua escolha. Os fatos que aconteceram no decorrer dos anos, aos poucos, sem que ela notasse, tinham feito dela uma mulher só. Havia dias que, se não falasse com as plantas ou com a bola de pilates, que insistia em andar de uma peça para outra, não ouviria sua própria voz. Mas como não abrir as janelas e deixar o vento entrar? Precisava dele, trazia a sensação de vida. E a bola, às vezes, tinha de ouvir reclamações por estar fora do lugar.
    Mas naquela tarde, sentia-se abandonada, um rumor interno lhe dizia que estava no fim! Não queria que seu fim fosse assim, só! Sempre teve muita gente ao seu redor. Já nascera numa casa que vivia cheia de gente, e este hábito a perseguiu por muito tempo. De repente lembrou de uma parente que, numa determinada noite, quando estava se sentindo assim, pegara seu travesseiro e fora para casa de um afilhado. Dali nunca mais saiu. Isto só aconteceu quando foi para seu funeral. Ficou pensando se era este mesmo destino que queria para si. E em meio a seus questionamentos veio-lhe uma dúvida, um grande problema
     Qual travesseiro levaria? Aquele em que encostava sua orelha e parte da face, aquele que até devia conhecer seus pensamentos, tão perto deles ficava? No entanto, sabia que não conseguiria dormir sem o travesseiro velhinho e fininho, que ganhava sempre uma fronha macia e lisinha porque era o que ficava entre suas pernas, na altura dos joelhos, impedindo que os ossos em x se tocassem e se machucassem! Lembrou que este danado muitas vezes escapava e ia parar entre seus pés, sabe-se lá por quê. Mas e o macio que ficava à sua esquerda, pra onde se virava quando via que o sono estava tomando conta e o abraçava como quem abraça um grande amor? Difícil entrar em seus sonhos sem ele! De repente, veio-lhe a visão do pequeninho, presente de um dos netos. Não poderia deixá-lo abandonado! Tinha um carinho especial por ele. Eles morreriam de saudade. Ele dela, ela dele. Deu-se conta de que tinha mais um problema. O travesseiro confidente já não tinha altura suficiente para sustentar sua cabeça. E de uns tempos para cá havia adotado mais um que o ajudava nesta tarefa. Era muito útil e até um querido.
     Passou a caminhar pelo apartamento, tentando decidir quem iria e quem ficaria. Andou, andou tanto que percebeu que o rumor interior havia sumido. mas continuou andando até que chegou à conclusão de quem ficaria: ela!

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