domingo, 7 de novembro de 2021

A virada!

     Um dia, sem que ela nunca houvesse pensado, veio-lhe uma ideia que pareceu  até praticável. Não era nada comum, nem acreditava que lhe dariam apoio, mas o que lhe interessavam os outros? Havia chegado numa idade em que o mais importante era fazer o que lhe fizesse feliz! E foi assim que iniciou o planejamento de sua virada na vida.

     Começou por seus armários. Por que tinha tantas roupas? Poderia passar mais de um ano sem repetir um traje. Que absurdo! Mas acabava se justificando, afinal cuidava muito de seus pertences. Tinha peças com mais de dez anos! Por quê? Aquela mexida afetou o seu psicológico e deu-se conta de que era apegada ao que suas roupas representavam, às suas memórias, aos seus momentos.

     Foi, então, que resolveu trocar de ambiente e foi para a sala, onde abriu, em primeiro lugar, um velho armário de guardar discos de vinil que hoje abrigavam seus cristais?!  Cristais!? Guardados! Raramente usados! Sentou numa velha poltrona e pôs-se a pensar nos anos em que não fazia uma festa em sua casa. Pensava e não conseguia saber há quanto tempo não abria aquela "cristaleira". Os bichinhos que lá estavam podiam dar a ela esta noção. Mexeu-se na poltrona e ouviu o ranger das molas e das madeiras. Outra coisa velha!

     Levantou-se e foi ao banheiro. Lá havia um grande espelho. E dos bons! Parou em frente a ele e ali ficou por algum tempo, analisando-se, tentando "lincar" a ideia que tinha tido com o que constatava. Não lhe era tão desagradável a figura que se tornara.  Não conseguia questionar nem julgar a virada que estava planejando. Distraída deixou cair uma moeda que achara dentro de uma taça na cristaleira e carregara-a junto ao banheiro, sem se dar conta. Havia ficado movimentando-a entre os dedos enquanto pensava se olhando. Agora lá estava ela no chão. 

     E foi esta moeda que a fez voltar à realidade. Abaixou o tronco para tentar pegá-la, mas viu que não alcançava. Forçou um pouco mais para baixo, e suas costas gritaram. Flexionou os joelhos, e eles reclamaram. Abriu as pernas. Uma questão de física. Isto diminuiria a distância entre a mão e a moeda no chão. Ótima ideia. Não adiantou. A moeda estava deitada sobre o ladrilho e seus dedos não conseguiam fisgá-la. Segurando-se na pia foi se levantando, caminhou se arrastando até o escritório onde pegou um bloco de notas e fez a anotação de mais uma coisa a solicitar para o primeiro filho ou neto, que viesse visitá-la, pegar.

     E assim, dando de ombros, voltou a sentar na velha poltrona, ligou a televisão e começou a rir. Não sei se dela ou do programa que estava passando. O que era a virada? Não sei! Ela não me contou!