quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Nunca mais!

Nunca mais vou encontrá-lo na porta do prédio, sendo gentil e educado!
Nunca mais vou dividir o espaço do elevador com ele!
Nunca mais vou receber aquele cumprimento alegre e espontâneo!
Nunca mais vou esperar o outro elevador para deixá-lo subir acompanhado de sua bicicleta!
É isso que venho me repetindo desde que soube da tragédia. Ele estava na flor da idade, era trabalhador, lidava com pessoas, técnico em enfermagem. Tinha jeito para esta profissão. Era bondoso, solidário e prestativo. Ninguém tinha queixa dele.
Naquele dia havia me encontrado com ele, sem a bicicleta. Como sempre, perguntou se eu precisa de ajuda. Mais tarde, dizem, saiu de novo, à noite, com sua bike. Ela era nova, potente e elegante. Foi dar uma passeio, a noite estava bonita e pedia um giro pela cidade. Ao voltar, já em frente ao edifício, três desconhecidos o empurraram. A força foi tanta que ele e sua companheira foram jogados contra a grande porta de ferro, vermelha e de vidro. Seu corpo, braços, cabeça e tronco, foram arremessados, e os vidros que se quebraram com o impacto retalharam-lhe em diversas partes. O sangue jorrava enquanto ele se esvaía. Foi socorrido, levado ao Pronto-Socorro onde ficou por três ou quatro dias. Em coma. Durante uma cirurgia, tentativa de melhorar suas funções, teve uma parada cardíaca. Viveu mais um pouco, mas não resistiu. Se foi pra junto do Pai ontem, sem sua bicicleta, companheira inseparável, agora também toda lesionada.
Neste ano que está por terminar, mais um amigo se vai. Vai, Fabiano! Segura na mão de Deus e vai! Vou sentir saudades, vou sentir tua falta nos corredores de nosso prédio. Vai ser feliz! Obrigada por ter dividido alguns momentos de tua vida comigo.valeu, Fabiano!


Homenagem ao Fabiano, filho do zelador do prédio onde moro, que ontem deixou esta vida!

Eu queria ser uma árvore

Quando lecionava, no caminho para a escola onde eu trabalhava, num determinado trecho tinha de pegar uma ruazinha de apenas uma quadra que desembocava na ponta de uma praça. Nessa ponta havia uma grande árvore, um plátano! Seu tronco vigoroso e meio manchado inspirava-me uma segurança muito grande. Suas raízes agarravam-se ao chão como se tivesse certeza de que nada lhe tiraria dali. Dirigia meu carro com os olhos e o coração fixos nela. Aquele tronco nunca mudava, era estável, forte, inexplicavelmente, sábio! Sim, aquela árvore falava comigo todas as manhãs. Eu pedia que me ajudasse a ser tão poderosa quanto ela. E eu ouvia a resposta dela na energia que me passava. Engraçado, isso me faz entender como alguns povos veneram diferentes figuras e seres. Eu venerava aquela árvore!
Àquela hora da manhã, o sol começava a ascender e, justo ali, por trás da minha árvore, ele iniciava a estender seus raios que, dependendo da época do ano, abrilhantavam, de forma variada e magnífica, o esplendor da minha idolatrada. Dois momentos eram deslumbrantes: no outono, quando as folhas amarelavam-se e chegavam a assemelhar-se ao tom do astro rei, e na entrada do verão, quando sua copa estava repleta de folhas verdes, frescas, iluminadas, sadias, lindas!
E eu pedia a Deus que me desse a força daquele tronco e a beleza daquela copa, fazendo-me encantar a todos. Encantar não no sentido de desejar a apreciação de uma beleza, mas de provocar o encantamento naqueles que me rodeavam como aquele plátano fazia comigo.
Será que eu conseguia?

segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Agonia de 26 de dezembro

Essa aí me leva! Tem jeito de quem gosta do meu tipo... O quê? Não acredita? Você sempre foi muito pessimista. Não vou me impressionar com suas palavras. Olha! A mulher parou. Upz, está me tocando. Vai me levar... Ai, só pode ser o seu olho grande. Desistiu. Mas eu não desanimo.
Hoje já são 26 de dezembro, e nós ainda estamos aqui, nesse gelo. Hi, lá vem o cara com aquela maquininha. Já vão mudar alguma coisa em nós. É sempre assim. E eu não consigo enxergar o que ele faz. Só sei que levo um susto danado toda a vez que ele aparece. Aquilo pra mim é uma arma.
Olha ali, amigo, lá vem outra senhora, ou melhor, senhorita e... bonitona!... O que que é? Não posso expressar o que sinto? Sai, você está sempre me criticando. Oh, oh... está chegando perto. Hum que cheirinho gostoso! Não acredito, está me apalpando!...Ai que saco! Agora apalpa você. O quê? Está te levando? Amigo, venha cá, não vai! Não me deixe sozinho.
Sou o último nesta prateleira fria. Ninguém me quis, ninguém me quer. Lá vem o cara da maquininha de novo. Será que vai baixar mais o meu preço mais uma vez? Descobri que é isso que ele faz. Não adianta, ninguém está a fim de mim... Ué? Aonde esse cara tá me levando? Passei no caixa, agora estou entrando no saco plástico. Maravilha! O cara da maquininha está me levando embora. Hum, não pegar táxi! Vou ter de me apertar no ônibus, mas pelo menos está ficando mais quentinho. Não vejo a hora de entrar num forninho bem quentão, ficar douradinho e, depois, ser bem enfeitado com abacaxi, cerejas e pêssegos. Só não estou a fim de aguentar aquela farofa! Que mania que as pessoas têm de achar que farinha frita combina comigo. Um peru da minha categoria deveria estar rodeado de purê de maçãs e geleia de amora seguido de uma belíssima taça de champagne francesa!

sábado, 25 de dezembro de 2010

Meu Natal

Houve um tempo em minha vida em que o Natal era festejado com a reunião de todos da minha família. Eu era pequena. Passávamos o mês de dezembro nos reunindo aos domingos na minha casa, afinal, eu era filha do avô de todos. Ensaiávamos músicas de Natal, meu pai no contrabaixo, minha mãe ao piano, uma de minhas irmãs no violino e todos, crianças e adultos, cantavam. Era lindo!
O presépio, que ocupava uma parede de quatro metros, era armado somente na véspera da véspera. Nele tinha tudo, grama, lago, patinhos, ovelhas, pastores, luzinhas, Nossa Senhora, São José e Ele, o Menino Jesus. A árvore batia no teto e era impregnada de enfeites e luzes, que piscavam muito, e eu ficava a cada ano, sempre muito encantada. Até hoje, o Natal é uma data especial pra mim. Pena que não é assim para todos!
Quando eu era criança, tudo era tão belo, tudo era tão pleno, nada estava fora do lugar, nada doía, nada fazia chorar, só o tombo da primeira bicicleta. Só o que assustava era a voz do Papai Noel, entrando no corredor lateral de nosso sobrado. Corríamos todos, juntávamo-nos e aquela vontade de fazer xixi, fazia com que nos segurássemos um ao outro. Nada podia dar mais medo do que a presença daquele velhinho, que, com os anos, todos nós descobrimos que era um de meus primos mais velhos. Hoje, quantos medos temos!
Onde está aquele Natal? Onde está aquela árvore? Onde está aquele presépio? Onde estão aquelas músicas? Onde está aquele clima de alegria, paz e amor? Sinto-me tentando juntar os pedaços perdidos ao longo da vida. Tentando agregar as novas aquisições, as novas ideias. Impossível, nada se assemelha! Só me resta guardar o meu Natal num canto bem escondido do meu coração, de onde ninguém possa tirá-lo, possa machucá-lo! Feliz Natal, meu Natal!

sábado, 13 de novembro de 2010

Calados na calada da noite!

As rodas da camionete pareciam conhecer aquele caminho. Percorriam as curvas da estrada de duas mãos como se soubessem, até mesmo, o tipo de curvatura em cada trecho, a inclinação do terreno - para a esquerda, para a direita, em declive. Os faróis, numa cumplicidade única e calada, iam iluminando o asfalto, duro e firme, deixando para trás as sombras, os mistérios.
As mãos dele fugiam da direção e deslizavam pelos ombros, pelas costas, pela curva da cintura dela como se já a conhecesse.Os olhos azuis, como duas contas brilhantes, fitavam-na intermitentemente. Havia um misto de romance e de mistério no ar. Ela, calada, ia se envolvendo e se deixando levar naquele momento singular de sua vida.
Haviam se encontrado no restaurante do pequeno hotel de beira de estrada em que se hospedavam. Olho no olho, sorriso com sorriso, mãos nas mãos e, em minutos, estavam rodando, primeiro ao som da música, depois na cabine da camionete, velha, forte, sábia.
Não falavam a mesma língua, o silêncio dizia tudo. Nem uma palavra trocada, nem um nome dito, nem uma pergunta feita. Somente aquela energia incontestável, aquela atração indubitável.
Súbito, param! Descem do carro, e ele a conduz. Abre o portão e pede silêncio, fazendo o sinal conhecido: dedo indicador sobre a boca. Vão caminhando, sempre descendo e pisando num caminho de pequenas pedras. Entre as árvores, começam a aparecer bangalôs através de cujas janelas podem-se entrever casais jantando num, sentados em poltronas noutro, amando-se em mais outro, todos nus.Ela, não deixando transparecer sua surpresa e curiosidade, seguia seu condutor, confiando como se já o conhecesse há muito.
Passaram no meio de um mato bem fechado e... como se uma cortina se abrisse, lá estava o Pacífico. Era noite. As estrelas e a Lua iluminavam tudo. A noite abraçava aquele casal de estranhos, revelando a eles muita ternura. De pequenos lagos, formados pelas rochas, saía um vapor que denotava a temperatura da água.
Ele lentamente foi tirando-lhe as roupas sem macular aquele corpo que agora tremia, sem transparecer se era de medo ou de emoçao. As vestes dele foram sendo atiradas sobre as dela e ali no chão ficaram, abraçadas.Os dedos das mãos se entrelaçaram e como se tivessem num ritual, caminharam. Os pés descalços tocavam a terra fria, o arzinho frio da noite acariciava os seus rostos. Pararam diante de um dos laguinhos, ele entrou na água, e auxiliou-a a mergulhar também. E ali, o céu, as estrelas, a Lua, o mar e as rochas testemunharam o mais lindo ato silencioso de amor!
Em silêncio, saíram da água, vestiram-se, subiram de volta até onde estava ela, a camionete, outra testemunha. Percorreram as curvas de volta ao hotel, onde ao chegar, cada um foi para o seu quarto. Nunca mais se viram, nem mesmo no dia seguinte na sala do café da manhã. No coração de cada um, só a recordação!

sábado, 30 de outubro de 2010

Orgânico ou Inorgânico?

Hoje vou dormir tranquila. Finalmente o mistério foi desvendado. Vinha passando por momentos de terror e já nem queria ir para a cama à noite. Os ruídos que saíam pelos buraquinhos do aparelho de ar condicionado no meu quarto estavam me deixando paranoica.
Há algumas semanas atrás, eles começaram. Sim! Eram sons quase indecifráveis. Começavam à tardinha, durante a noite eram intermitentes e, pelo amanhecer, aumentavam muito. Às vezes pareciam gritinhos, havia momentos que parecia que bichos se batiam. Mas também, raras vezes, na verdade, ouvia-se canto de passarinho. Uma incógnita!
Houve uma noite em que acordei ouvindo um som que parecia um ser humano dando assoprões muito fortes. Lembro que me levantei, dei umas batidas no aparelho, que já era velho e nem funcionava mais. E eu me perguntava: “O que estou fazendo com isso ainda aqui, se nem sequer me refresca e ainda me amedronta.” Cheguei a pensar em ratos; porém, como eles chegariam aqui no nono andar, como entrariam nas pequenas frestas entre a parede? E o maldito sem função.
Chamei um analista de uma firma de desratização. Ele me deixou apavorada! Disse-me que precisariam fazer um trabalho bem forte, pois tudo demonstrava que havia uma comunidade bem grande das tais criaturas que perturbavam meu sono com seus sonzinhos. Eles estavam ali, sim! Chamei também um avalista da fábrica de protetores de aparelhos de ar-condicionado que até fezes dos intrusos o tal sujeito encontrou. Enfim estava enlouquecendo pois não sabia o que fazer: colocar protetores? Fazer uma desratização? Comprar um aparelho de ar condicionado novo?
Antes de contar a minha opção, saibam que, um dia, o zelador do prédio para quem contei dos assoprões que eu ouvira, afirmou-me que aqueles bichos que lá estavam até fumavam. Já me imaginei, andando de um lado para o outro, sem conseguir dormir, e os malditos intrusos bem sentados dentro do aparelho de ar-condicionado, de pernas cruzadas, fumando um belo charuto cubano. A situação estava ficando tragicômica.
Optei por desfazer-me daquela tralha e comprar um novo, afinal, na hora de trocar, descobriríamos tudo. Porém o terror era tanto que diariamente rezava para que, quando retirassem o velho, as criaturas não invadissem minha casa! Chegou o dia! Fechei a porta de meu quarto e permaneci dentro para garantir que nenhuma criatura aterrorizante se escondesse em alguma fresta para, depois, me amedrontar, aterrorizar, tirar meu sono.
Os colocadores foram retirando lentamente o velho e, para nossa surpresa e satisfação, lá estavam dois belos e frágeis filhotes de andorinha. Ela, a andorinha mãe voava em frente à janela, tendo atrás os filhotes que já sabiam voar. Havia desespero em todos eles. Onde iriam repousar de seus primeiros voos, como ela daria comida para os dois que ainda não voavam?
Fiz a minha parte: construí, a partir de uma garrafa “pet” cortada, um novo ninho, forrado com papel picado e telhadinho para protegê-los da chuva e do sol. Quando o novo ar estava colocado, o novo ninho foi devidamente afixado na parede, do lado de fora da janela, em cima do aparelho.
Será que os aterrorizantes morcegos, que todos confirmaram estar ali, haviam se transformado em inofensivas andorinhas. Não sei! Quatro dias depois, um dos filhotes saiu voando e não mais voltou. O outro, o outro não resistiu às intempéries e morreu. Fiz um enterro digno de um passarinho que ousou perturbar o meu sossego: foi para a lata do lixo bem enrolado em jornal do dia. Mas ainda me deu trabalho, pois surgiu a dúvida: lixo orgânico ou inorgânico?
Cuidado! Essa cidade está cheia de morcegos que invadirão as suas casas quando menos esperarem!

Perdidos na tarde!

Ai, meu Deus do céu! O que fui fazer! Que droga! Sempre me meto nestas enrascadas! Por que não sosseguei no meu canto. Vou parar de borboletear um pouco e tentar descobrir onde estou. É, aqui tá bom, parece que ninguém vai estranhar a minha presença, também... não tem ninguém por aqui mesmo. Hum, deixa eu olhar bem para todos os lados. Putz! Acho que tô perdida mesmo! E aquele sem-vergonha do encosto que me arrumaram, nem pra sair atrás de mim e me acompanhar serve. Só fica lá me pedindo coisas, comidinhas, bebidinhas e outras cocitas más, que só me irritam.
Vou chamar por socorro, quem sabe alguém se apieda de mim e me auxilia a encontrar o caminho de volta.
- Socoooooooooooooooooorrrrro! Socooooooorrroooo! Que sssaaaaaaacccooooo! Não estããããããããoooooo me ouviiiiiiiiiiiiiiinduuuuu!
É, tá difícil! Hi! Só o que me faltava agora. Nunca pensei que poderia encontrar essas duas por essas bandas.Nâo sei por que não param de me olhar! Não são donas desse lugar aqui! Humm!! Lá vem elas andando meio de lado para disfarçar. Com certeza, vêm me tomar satisfação por algum motivo. Mas como não sou de andar por aí, sem rumo, desprotegida,afinal, sou uma moça fina, de trato, moro muito bem, nem vou responder se essas mucreias vierem falar comigo. Não devo me misturar. Vou disfarçar também e bater asas para outro lugar. Quem sabe encontro alguém que me ajude.
Ui, não devia ter corrido tanto, não estou mais acostumada a dar tão longos voos. Não estou gostando desse lado aqui. O sol está me queimando, o chão é irregular, ai que falta de conforto! Olha lá, as duas metidas saíram de lá também. Vou voltar! Desta vez vou mais devagar, não estou a fim de ficar suando. Vou-me encostar aqui nesse muro por alguns minutos e tentar me lembrar de como posso voltar para casa! Ai, minha casinha, que saudade!
Será que estou tendo uma miragem? Mas aquele lá não é o encosto? Não, devem ser meus olhos! Aquele idiota não teria esta capacidade de dar-se conta de que eu não estava mais em casa, muito menos tomaria a iniciativa de me procurar. Seria demais para seus curtos e queimados neurônios. Ups! esse buraco quase me ungoliu. Mas não é o encosto mesmo?! Deve estar perdido também. Agora seremos dois e terei muito mais responsabilidade.
- Laura! gritou o encosto.
- Já disse que sou louro, papagaio ridículo!
- Há! Há! Há! Quer dizer que viu a porta da gaiola aberta e achou que poderia ganhar o mundo?
- Cala a boca, encosto! Foste tu quem não aguentou e saiu atrás de mim!
- Deixa de ser metida e convencida! Estou de olho na periquita da vizinha!
- Quê? E tá achando que ela vai te dar bola?
- E por que não? Sou um papagaio elegante e charmoso!
- Olha lá! aquelas duas foram buscar reforço. Estão vindo para cá, acompanhadas! Ai meu Deus, temos de fugir! Vão nos expulsar daqui! E eu não sei voltar para casa! Papagaiozinho! me ajuda!
- Ah é?! Eu vou ter de te salvar? Quem diria?
- Por favor! Desculpa as minhas grosserias, mas eu estava acostumnada a viver sozinha. Aí te trouxeram e colocaram junto comigo, como se eu tivesse de gostar de ti só porque és mais jovem, bonito, penudo, verdoso como nenhum outro papagaio que eu conheço! Ai agora disse tudo! Que vergonha! Mas eu estou apaixonada por ti e não queria me dar conta disso. Ai! Ai! Ai!
- Bonito, né? Escondendo o jogo? Pois bem, eu sou galante, sábio e conquistador, mas odeio papagaiazinha que me escanteia e desdenha. Quer voltar pra casa?
- Ham, ham! Snif, snif!
- Vamos lá! Bate asas e tenta me acompanhar. Não vou nem olhar para trás para saber se estás conseguindo me seguir! Te vira, metidinha!
- Ai, vamos láááááááááááá!


Uma provável conversa entre dois papagaios que surgiram hoje, à tarde, no beiral do edifício vizinho ao meu, provavelmente perdidos, pois a gritaria que faziam era ensurdecedora. As perseguidoras eram as pombas que normalmente estão naquele lugar e, com certeza, se sentem donas do pedaço.

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Afiador de facas

Quando me mudei para este apartamento onde moro, um dos acontecimentos que me chamaram atenção foi o apito do afiador de facas e tesouras. Na primeira semana, surpreendi-me com aquele som! Imediatamente, questionei: "Qual a vantagem de ouvi-lo?" É, nem sabia exatamente a que distância estava. Se quisesse usar os seus serviços, conseguiria alcançá-lo a tempo? Até que eu chamasse o elevador, descesse e fosse à rua procurá-lo, provavelmente, já estaria longe! Tive todos esses pensamentos porque, na verdade, a minha faca de cortar carne estava precisando ser afiada.
Hoje, ouvi de novo o som inconfundível. É engraçado como algumas coisas vão se concretando na vida de uma comunidade. Quem teria inventado aquele tipo de apito para identidicar este tipo de trabalho? Por que nunca foi mudado? Estaria aquele homem fazendo o mesmo sucesso que fazia antigamente? Quando estes afiadores morrerem, outros irão surgir? Ou esta é um profissão em extinção, como alguns animais e plantas. O homem inventa e extermina conforme a sua ganância em saber mais, em querer parecer mais com o Criador.
Agora estou me dando conta de que se dependerem de mim, nunca mais essas pessoas terão trabalho. Cada vez que preciso cortar algo, legume ou carne, pego a faca que, como há três anos, continua sem fio e, com a maior altivez, pego o que sobrou de um rebolo - não sei se sabem do que estou falando - que meu pai tinha preso à borda da mesa no terraço dos fundos do sobrado onde morávamos. Aquele pedaço de pedra, faz-me voltar no tempo, faz-me lembrar de minha infância. Só sei que consigo fazer bons cortes a cada afiação. Na próxima vez, tenho de repetir o ritual, mas isto me faz bem.
Engraçado como hoje me satisfaço com essas pequenas coisas: o apito do afiador, o rebolo de meu pai, a faca sem fio!

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Uma rua no meu passado

As rodas de meu carro delizavam pelo asfalto daquela rua. Tudo ali era novo, bonito, limpo e cheirava prosperidade. Na esquina, um suntuoso templo de uma igreja, cuja doutrina não se consegue saber pela fachada. No entanto, os jardins ao redor do palácio, um homem dourado -seria ouro?- em posição que lembra um esportista, mas acho que é uma anjo pois está tocando uma corneta, também de ouro, as portas, as janelas, o globo dourado em cima do qual está o tal anjo, os portões, o estacionamento cheio de carros do ano, tudo denota muita riqueza.
Olhei para a outra esquina e lá estava uma escola pública. Li o nome. Não acreditei. Meu Deus, ali eu iniciara minha vida de professora. Lembro que tinha de andar muito para chegar até ela. Nem vinha pelo mesmo caminho que agora podemos fazer, ruas foram abertas, bairros, aparentemente novos, nasceram. A rua era de chão batido e havia muitas casinhas dos dois lados. Naquele tempo, todas as crianças dos arredores estudavam naquele colégio. Arredores pobres, crianças pobres, casinhas pobres.
Estacionei e, antes de descer do carro, cerrei os olhos para tentar lembrar de alguns detalhes daquela época. Havia muita alegria! Gritaria de criança chegando para estudar, para comer a merenda, para receber o carinho dos professores. Vieram a minha mente diferentes momentos: o dia em que fechamos a rua - ninguém passava lá mesmo - para fazer uma festa ao ar livre, festa à fantasia; o dia em que enchi meu carro com as crianças da sala de especiais e as levei à Expointer; as vezes em que corria a colocar alguma criança que se machucara no carro e a levava a um Pronto Atendimento Médico que atendia nossos alunos, aceitando as carteirinhas do plano de saúde de algum filho de professor. Que fim levaram aquelas crianças? Onde foram parar as suas casinhas? Será que os que lá estudam agora se divertem como os de antigamente, aprendem como antes, recebem o carinho que, naquele momento me dei conta, dávamos a cada um deles, sujo ou limpo, são ou doente, esperto ou "burrinho"? Tudo está tão silencioso agora. Tudo está tão limpo. Tudo está tão organizado. Tudo está tão... frio.
Abri a porta do carro, saí, tranquei bem os vidros e a fechadura, acionei o alarme e fui dar minha aula particular. Mais de trinta anos se passaram, mas aquelas lembranças que haviam adormecido dentro de mim, acordaram e me deram muita alegria!

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

João Maluco

Quais serão os mistérios de nosso cérebro que nos levam a jamais esquecer determinados episódios, certas pessoas. Hoje, não sei por qual motivo, um personagem que acompanhou a minha infância, adolescência e parte de minha vida adulta não sai de meus pensamentos: João Maluco!
Sim era assim que o chamavam. Era conhecido por todos no bairro. Aparentemente não tinha família, não tinha casa, não tinha nada. Vivia a perambular pelas ruas, na maioria das vezes, bêbado. Sobrevivia de esmolas e de pratos de comida que ganhava. Era magro, alto, pele morena e cabelos muito lisos que, não sei se pela sujeira ou por algum produto, estavam sempre grudados à cabeça. Suas roupas sempre eram largas, denotando o tamanho de quem lhe dera, mas as calças nunca tinham o seu tamanho pois era realmente alto. Entre os sapatos e a bainha das calças, destacavam-se aquelas canelas finas e escuras. Não esqueço suas mãos de dedos longos como de um pianista, as unhas muito sujas e compridas.
Quantas vezes, ao ir para o colégio, passava por ele, deitado ainda em alguma calçada onde passara a noite. Quantas vezes o via correndo, dizendo palavrões e xingando os garotos que também corriam depois de gritarem, só para implicar: “João Maluco!” Quantas vezes eu atendia a campainha da casa onde morava com meus pais e lá estava ele para pedir um troquinho, porém sempre ganhava um prato de comida levado por mim. Quantas vezes ficava mal ao vê-lo sendo enxotado porta afora de algum bar ou de algum jardim onde dormia, embriagado. Quantas vezes, já adolescente, eu abria a porta do velho Ford de meu pai pela manhã e dava de cara com ele deitado no banco traseiro, dormindo mais protegido nas noites frias de inverno. Acho até que meu pai não trancava o carro de propósito.
Casei, continuei no bairro, tive meus filhos e João Maluco continuava rondando. E foi assim que ele passou a fazer parte também do crescimento de minhas crianças. Para ele, talvez meus filhos é que fizessem parte da vidinha dele. Passava quase que diariamente por nossa casa e sempre me pedia alguma coisa. Meu filho menor gritava quando ele vinha chegando: “Mãe, o João Maruco vem vindo!” Naquela época ele já não era mais o mesmo, estava velho e não corria atrás dos garotos que gritavam para ele. Talvez não os ouvisse tão bem ou não tivesse mais energia para andar mais ligeiro. Ou quem sabe também já se considerava “maluco”!
Depois de alguns anos, como era comum na época, separei-me de meu marido e muitos domingos ficava sozinha em casa. E foi assim num domingo de Dia das Mães. Meus filhos haviam viajado no sábado para o interior com o pai, e eu somente as veria no final da tarde. Estava eu na janela, pensando, quando, de repente, surge, andando com dificuldade, João Maluco. Fiquei a observá-lo. Ele trazia na mão um botão de rosa branco e um papel também branco. Parou à frente do prédio onde morávamos, olhou para cima, para mim e disse com palavras mal articuladas: ”Feliz Dia das Mães”. Eu agradeci bastante emocionada, achando maravilhoso que ele tivesse me cumprimentado. Mas ele, surpreendendo-me mais ainda, levantou a rosa e disse: ”É para a senhora!” Fiquei perplexa, mas imediatamente desci as escadas do edifício e abri a porta. Lá estava ele com os dois magros braços estendidos me oferecendo com a direita a rosa e com a esquerda um cartão. “A senhora é a melhor mãe que eu conheço!” Agradeci quase chorando, fechei a porta e subi para meu apartamento onde passei em silêncio o resto do dia esperando meus filhos.
Sem nenhuma explicação, João desapareceu. Dias se passaram. Então, meu irmão trouxe-me a notícia: João Maluco havia morrido. Engraçado, isso já faz mais de vinte e cinco anos, e ainda vejo aquele rosto, ouço aquela voz, sinto a presença daquela figura me entregando uma rosa branca, único presente que recebi naquele Dia das Mães.

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Coitadinha dela!

A luz do quarto já estava apagada, já era mais de meia-noite. Somente o clarão advindo da televisão ligada fazia aqueles claros e escuro numa penumbra doce e embalante. O som da TV estava no mínimo, e os olhos dela pareciam querer fechar para o descanso da noite. Não se preocupava em desligar o aparelho, acertava o timer e adormecia tranquila, mesmo que estivesse sintonizada em algum programa interessante como o daquela noite. Os sons, os cheiros - borrifava lavanda na cama na hora de deitar - o calor das cobertas, tudo parecia ser parte dela mesma, tamanha a sua relação com aquele momento, naquela peça da casa. Seu quarto era um templo sagrado para ela.
De repente, seus olhos abriram-se como impulsionados por algo diferente. Sentou-se. Ouvira, sim, um ruído estranho, parecia um arranhar de patinhas. Lembrou-se de quando um morcego entrara no seu apartamento, e isso a apavorou! Colocou a TV no "mude". Nada ouviu. Acendeu a luz de cabeceira. Nada! Voltou atrás em suas ações, deitou-se, virou para o lado e puxou a coberta sobre o rosto. Fechou os olhos.
Passados alguns segundos, novamente o ruído. Não, aquilo não era impressão, tinha algum ser além dela naquele quarto. Pensou em pegar o travesseiro e as cobertas e sair dali. Fechar a porta e ir dormir na sala. No dia seguinte, com a luz do dia, tentaria descobrir o que era. Mas na mesma hora, como sempre fazia em momentos de perigo, tomou a decisão de desvendar o mistério. Nunca fora de recuar diante do desconhecido, muito ao contrário, ia atrás.
Acendeu a lâmpada do abajur, tirou o "chapéu" do mesmo, sentou, colocou os chinelos e passou a iluminar atrás da cama, da mesinha de cabeceira, do armário que ficava à direita. Depois procuraria do outro lado. Enquanto isso, a televisão estava sem som, nada poderia atrapalhar aquele momento de investigação. O fio parecia que não alcançaria bem atrás do armário, mas uma esticadinha e ...opa! Lá estava ela, ou ele! Uma senhora barata, bem tratada, num tamanho adulto, asas bem lustrosas, porém lenta como uma velha, tonta como um bêbado em final de festa. Focou a luz nela, e a danada não reagiu como deveria, somente conseguiu andar, dolorosamente, uns dez centímetros.
- Háhá! agora tu vais ver de quem é este aposento! Vou terminar com a tua festa, sua nojenta.
Tirou um dos chinelos e, com pequenos puxõezinhos, trouxe a maldita mais para perto. Acabou fazendo, sem querer, com que ela virasse com as patas para cima. A letargia do bicho era tamanha que nem movimentava mais suas pernas para voltar ao normal.
Maria foi até o quartinho dos fundos, pegou o spray mata-insetos e veio numa fúria como se portasse uma arma de guerra. Apertou o botãozinho do spray e, sem parar, empapou a coitada da barata. Foi ao banheiro, pegou um pedaço de papel higiênico, dobrou-o várias vezes - não suportava a ideia de encostar seus dedos naquele bicho. Entrou no quarto e pegou a coitada, amassou-a fortemente dentro do pacotinho que fez dela com o papel e colocou-a no lixinho do banheiro.
- Pronto! O inimigo está eliminado! Posso voltar pra minha caminha!
Deitou-se e adormeceu em seguida, estava exausta. Nem lembrou que conseguira essa façanha só porque a barata, provavelmente, já tinha passado por dentro daquelas caixinhas com "iscas" que deixam esse bichinhos tontos, envenenados por algum produto apropriado. Maria tinha uma destas em cada peça e as trocava a cada três meses. Com isso não há baratinha que resista! Mas deixa Maria pensar que nos impressionamos com sua astúcia!
- Boa noite, Maria!

domingo, 5 de setembro de 2010

Maria Lúcia

Era inverno, ventava bastante, mas o sol aquecia o rosto envelhecido de Maria Lúcia. O mar estava deslumbrante naquele dia, mostrando a quem quisesse seus babados de renda branca tecidas por mãos sensíveis e delicadas. O mar vestia-se de um verde azulado, não visto há muito tempo. A areia acolhia os pés de Maria Lúcia e a levava por um túnel do tempo em que visualizava os momentos mais lindos do sua vida.
Assim ela ficou por algum tempo sem sequer ouvir ou ver a realidade que a rodeava. Aos poucos, os homens foram-se achegando, sorrateiros e, sem serem notados, jogaram a rede. Maria Lúcia estava agora enredada naquelas cordas de nylon tão bem trançadas. Ajoelhou-se sobre a areia então úmida pela onda que até ali chegara, perdera o equilíbrio. Virada de frente para o mar, não tinha a mínima ideia de quem estava fazendo aquilo com ela, parecia uma brincadeira. Mas de quem? Fazia pouco que desembarcara naquela ilha, não fizera amizades ainda. Mais uma onda veio e, desta vez a molhou mais. Suas pernas e parte do abdômen já sentiam o gelado da água. A onda voltou para o mar e o calor do sol que antes era agradável não mais fazia o que ela esperava. Pensou: " Ele está tão fraco quanto eu!" Tentou se virar, na busca da identificação de seu pescador. Não conseguiu! O vento permanecia e aumentava sua velocidade e volume. Lúcia sentia-se dentro de um furacão. Chegou a pensar que o melhor seria que ele a levasse para onde quisesse, desde que a permitisse esquecer aquela sensação de impotência diante de tudo. Chegou a preferir um desfalecimento a fazer força para se livrar de mais esse ínfortúnio! As ondas continuavam, agora mais fortes. Maria Lúcia tinha até seus longos, quebradiços e desalinhados cabelos molhados. As lágrimas brotavam de seus grandes olhos, misturando-se com o salgado do mar que batia em seu rosto. Maria Lúcia sentia-se cada vez mais fraca; porém, a cada segundo, uma sensação de segurança ia-lhe tomando conta. E assim foi, até realmente perder os sentidos e cair deitada, enrolada na rede de seus sonhos, abraçada por seu amado.
Fora sempre assim! Ela jamais conseguira esquecer aquele amor, aquele homem que a fascinava, mas que nem se dava conta da existência dela. Maria Lúcia envelheceu à espera dele. A sua fixação virou doença e hoje, quando foge da casa em que vive, cuidada por enfermeiros contratados pela família, vem para a beira do mar, onde costumava vir para ver seu amor pescar. Ele não era um pescador, era um rapaz que vinha às vezes da cidade grande. Nem conhecia Maria Lúcia!
- Pronto, vamos levá-la! Agora dormirá tranquila, pensando estar com ele!

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Quero-quero!

Estava aqui, sentada frente ao computador, conferindo meus emails, quando ouvi o grito ou canto, tanto faz, de um quero-quero! Moro num bairro movimentado, muitos ônibus, muitas pessoas, comércio, táxis e outras coisas que compõem os ruídos desse ambiente.
Um quero-quero, me fez estar no campo, olhando as coxilhas do meu estado. É de manhã, mas me vi num entardecer que fazia com que o sol, que se via no céu e no lago, fosse aos poucos desaparencendo dos dois lugares. Num escondia-se atrás da terra, noutro, enfiava-se embaixo dela! Enquanto isso, muitos pássaros voavam, buscando refúgio para a noite, que chegava imponente, vestida de terno negro, como uma linda mulher adentra num salão de festa de gala. E entre as aves a mais exibida parecia ser esse pássaro que caracteriza o nosso rincão: "Quero... quero! quero...quero!" dizia ele, buscando talvez, além de um recôndito cantinho, uma companheira!
Eu também quero! Quantas coisas eu quero! Um carinho, um amor, uma vestido novo, um doce bem doce, um passeio inesquecível, um amigo de verdade, uma companhia agradável, ir à exposição de gados - ninguém quer ir comigo! Não consigo entender este meu fascínio pelas lidas, pelos animais, pela paisagem, pelos sons, pelas cores, pelos cheiros de uma fazenda. Afinal fui criada na cidade e a única vez que curti esse ambiente foi depois dos cinquenta, já como atriz, quando gravei algumas cenas de um seriado. Mas mesmo antes deste trabalho, eu já curtia tudo que se relacionasse com os nossos pagos.
O meu quero-quero de hoje não voltou! Agora nada mais ouço além dos ruídos tradicionais. Será que ele encontrou o que queria? Tomara! Fico feliz quando alguém atinge seus objetivos, realiza seus sonhos, mesmo que os meus demorem mais ou alguns nem se concretizem. Gosto de sonhar, planejar, pensar em ideias novas, mudar! Acho que por isso ouvi o quero-quero dessa manhã, porque me identifico com ele!

terça-feira, 31 de agosto de 2010

Dalva

Dalva seria um nome apropriado para ela. Sim, ela surgia do nada, silenciosa e com seus passos leves andava, andava, andava. Dalva era de uma elegância indescritível, vista em poucas pessoas. Seu andar a fazia flutuar, flutuar em círculos como se tivesse um sagrado lugar a alcançar. Era bela! Tez morena e límpida, olhos negros e lânguidos, ombros eretos e suaves, pescoço longo e esguiu. Essa era Dalva.
Às vezes, perambulava pelo parque; às vezes, arrastava o peso do dia, nas ruas do bairro à noite. Sobre o corpo aparentemente perfeito, saias e mais saias, blusas sob blusas, panos e mais panos, todos numa gama de tons pastéis, já encardidos, mas de bom gosto. O braço esquerdo sempre caído, fazendo ritmo com as pernas; o direito, puxando um saco de pano cheio de outros panos. Parecia não cansar, nunca parava.
Seu olhar trazia junto à melancolia um toque de sabedoria. Não fitava ninguém, não falava com ninguém. Parecia uma nuvem entre as árvores, na grama, nas ruas, no asfalto, na vida de todos que por ela passavam.
O que teria acontecido a Dalva? De onde ela vinha? Qual teria sido o seu passado? O que leva um ser humano tão bonito fisicamente a abandonar-se aos braços de uma vida cruel, triste, pobre, malvada?
Dalva, o que aconteceu com teus sonhos? O que te machucou tanto? Por que não voltas à vida?
Vem, Dalva, vem?

terça-feira, 24 de agosto de 2010

Deixem-me em paz

Ai que coisa bem chata, não consigo caminhar direito. Aquele cara que quis me pegar acabou machucando minha perna direita. Agora estou aqui, andando tipo algumas amigas que passaram pelo mesmo ataque. Pisa o pé esquerdo, pisa de leve o direito! E assim vou. Vou mal! Por que aquelas gurias não olham para cá, poderia pedir que me ajudassem, mas isso seria quase impossível, elas não param de tagarelar. E esse sol está forte hoje! Nem uma aguinha estou encontrando.
Hi! Mas o que é isso? Só o que me faltava: ser perseguida. Essa velha pensa que não estou vendo. Vou tentar andar mais rápido. Ai! não dá, tá doendo muito.Vou me esconder atrás daquela muralha! Ela parou! Ufa, acho que me escapei. Mas como sou burra, ela parou porque eu parei. Que saco! O que ela está querendo comigo? Nem dei bola pra ela.
Ah! Graças a Deus ela mudou o foco, está agora conversando com esse cara de óculos. Hi! Ele está me olhando! Está caminhando na minha direção! E eu não consigo correr. Lá vem ela também! Mas será o pé do Benedito? O que querem comigo? Ui, Ui, ele está se abaixando, está querendo colocar essas mãos nojentas em mim! O que é isso, companheiro? Eu não te fiz nada! Me larga! Ô dona, me ajuda! Pelo menos a senhora só me olhava, mas esse cara tá se passando! Ai! tira essas mãos daí! Não é possível, não respeitam nem quem está machucada. Tá certo, agora vou me aproveitar, tomo impulso quando ele botar suas mãos sujas por baixo de mim. Ó Deus, me dá forças pra eu conseguir. É agora! Vamos asinhas, vamos! Me ajudem! tenho de me livrar desses dois loucos.
Há!Há!Há! Consegui! Agora sim, vou me esconder atrás da casa dos patos, e os monstros não vão mais me achar. Ups! Quase caí no laguinho! Credo, cair nessa água suja seria o fim! Odeio sujeira! Oba! cá cheguei nessa sombra gostosa. Aqueles dois bobalhões acabaram me fazendo um grande favor. Vim pra dentro do cercado dos patos! Aqui estou protegida! Com sorte, até roubo umas comidinhas dos donos da casa!

(Pensamentos de uma pomba ferida, perseguida por mim, claro que na Redenção)

domingo, 15 de agosto de 2010

Duas Meninas

As duas andavam bem juntinhas, carregavam suas mochilas escolares, vestiam calças jean, jaqueta acolchoada de impermeável. Não chovia, o dia estava lindo, e elas conversavam e riam. Seus caminhares pareciam saltitares de gazelas felizes. As trancinhas pretas de uma estavam presas sobre a cabeça, as da outra voavam soltas.
Lá iam ou lá vinham elas da escola? de casa? Não importa! O que mais me chamou a atenção foi a singeleza do panorama. Era uma segunda-feira, todos corriam, os carros buzinavam, uma agitação danada. Eu atucanada, esperando que o sinal abrisse, para variar estava atrasada para meu compromisso, e elas alegres, alheias a tudo, não pareciam preocupar-se, nada abalava aquela felicidade ingênua, aqueles olhares puros, aquela alegria infantil. E eu, então, me procurei: onde está a minha criança, para onde foi a garota sonhadora, o que aconteceu com ela? Não era uma questão de perda, era, sim, uma questão de sono profundo, de troca de prioridades. Comecei a gritar, a chamar-me, dizendo: Acooooooorda! Acoooooooooorda! Buzinas de todo tipo vieram em torno de mim, gritos, mandando andar! Acordei! O sinal abrira! Ri, ri muito, apesar de todos os xingões que tomei. Olhei pelo retrovisor e vi as duas meninas, agora já de costas para mim. Como de costas para mim? Elas nem sabiam da minha existência, eu é que as deixara para trás, mas valeu!
Obrigada minhas lindas estranhas! Prometo que, a cada dia, vou, antes de qualquer coisa, chamar a minha criança. Ela tem de ir onde eu vou, ela tem de mostrar-me as belezas sutis que meus olhos de adulta já não enxergam, o perfume suave que minhas narinas embriagadas pela poluição já não sentem, o toque carinhoso do vento que meu rosto já tinha esquecido, a graça da vida que eu estava tornando tão dura!

domingo, 8 de agosto de 2010

Meu pai

Hoje, após ler a crônica da Martha Medeiros, deu uma vontade enorme de falar sobre meu pai. Há algumas imagens que permanecem e, com certeza, pemanecerão para sempre na minha memória. As lembranças mais remotas que tenho dele são de um homem muito grande, calmo, sério - engraçado, não tenho lembrança de seu sorriso. Podem pensar: Brabo, então! Não, doce, afetuoso e sábio. Meu Deus, como ele sabia coisas e quantas histórias tinha para me contar. O hábito de fazer um soninho após o almoço o acompanhou a vida toda, e isso para mim representava o momento da magia. Deitava ao seu lado e me deliciava com as histórias que contava, algumas verídicas, referentes a diferentes situações de sua marcante passagem neste mundo; outras lidas, tiradas da antiga revista "Seleções" a qual não deixava de comprar e ler semanalmente. Hoje, quando vêm a minha lembrança alguns daqueles relatos, desconfio de que ele enriquecia todos com sua criatividade. Outra visão inesquecível é de vê-lo, através da vidraça de um janelão que mostrava o seu escritório, sentado numa das poltronas do conjunto de couro preto, lendo o jornal do dia. E foi ali, no seu colo, que aprendi as primeiras letras, as primeiras palavras. Hoje, sento numa dessas poltronas, que conservei e da qual não me desfaço, para ler o meu jornal. Às vezes, parava quase que instantaneamente as brincadeiras quando ouvia o som de seu contrabaixo. Sim, o meu pai era contrabaixista de orquestra sinfônica! Sempre que ele parava o trabalho para estudar o seu instrumento, que ficava imponente encostado num dos cantos do quarto de meus pais, eu deitava na cama deles, fechava os olhos, e ouvia, e viajava por lindos campos verdes, por águas límpidas, céu azul, na companhia de muitos animaizinhos. Aquelas notas graves, puxadas com todo o cuidado pelo arco cuidadosamente mantido com o breu, que era guardado num caixinha vazia de pó de arroz da minha mãe, simplesmente me encantavam. Lindo! Tive uma infância regada a arte. À mesa, na hora do almoço e do jantar, o meu lugar era exatamente o oposto ao seu. Vejo-me fitando aquele ser respeitável que não permitia que se falasse muito nesses momentos porque a comida era sagrada e comer exigia um ritual e muita compenetração. Era metódico, sim, se eu tivesse de resumir meu pai a uma palavra, eu diria "metódico". Vejo as fatias de pão em um prato fundo à esquerda de seu, o copo com cerveja à frente, e ele cortando em pedaços pequeninos a carne da refeição.
Passaria o resto do dia, escrevendo sobre meu pai, meu velho pai, que se foi quando um de meus filhos nasceu. E plageando Martha Medeiros, "Pai é um só". Saudade, pai!

sexta-feira, 30 de julho de 2010

A moça misteriosa!

Certa manhã, ao abrir a janela da sala, deparei-me com uma figura à distância que nunca havia aparecido no espaço que consigo visualizar dali. Da maioria das janelas do meu apê, vislumbro bem ao longe, uma nesga do Guaiba, o prédio do Centro Administrativo do Estado, alguns outros prédios, muitas copas de árvores. Moro numa rua muito movimentada, mas a minha vista é para os fundos. Então, vejo também os fundos de alguns edifícios. De muitos, às vezes, aprecio pessoas pendurando roupas em seus varais, tem um senhor que faz, quase que semanalmente, o seu churrasquinho, mas deste não sinto nem o cheiro, não estou tão perto assim. Pois foi justamente neste que vi uma moça, vestida de vermelho, com longas tranças pretas que escorregavam além dos ombros. Gostei daquela imagem! Mas me perguntei: "O que estará ela observando?" Ela estava virada para o Guaiba, e o que eu via eram as suas tranças caindo pelas costas. Como ela não saía dali, nem se virava, mudei meu foco e fui me preparar para trabalhar. À noite, ao fechar a janela, não vi a tal moça, a luz de lá não estava acesa.
No dia seguinte, segui a minha rotina. E qual a surpresa? A moça lá estava novamente, contemplando não sei o quê, nem aonde. Fiquei meio intrigada, afinal, não era um cenário comum. Engraçado, ela vestia novamente o vestido vermelho e as tranças haviam sido penteadas de mesma forma. Pendiam nas suas costas. Mais uma vez desisti de ficar cuidando dela porque tenho mais o que fazer. Nesta noite, mais uma vez, não vi se a minha misteriosa moça, ou senhora, ou senhorita, sei lá - como diz um de meus netos - estava lá, naquela espécie de terraço onde muitas coisas aconteciam. Fui dormir.
Tive um pouco de insônia. No meio de noite, ainda dei uma espiada, mas nada enxergava. Mas entre tantos pensamentos até que o sono viesse, lembrei que tinha, dentro de uma caixa que estava dentro do armário onde guardava coisas das quais não faço uso diário, um velho binóculo que pertencera a meu irmão - "Que Deus o tenha!".
Ao acordar, antes mesmo de fazer qualquer coisa, abri o tal armário, achei a caixa e peguei, feliz da vida, aquele objeto poderoso que esclareceria, talvez, o mistério. Era antigo, porém bastante potente. Dirigi-me à janela, abri as persianas, os vidros e segurei com as duas mãos o meu binóculo. A primeira visão foi do prédio do Governo do Estado; sabia, com isso, que teria de virar um pouco para a esquerda, mas só vi o céu; então, desci as mãos, claro, aquele lugar era em andar abaixo do meu; foquei na moça! Que moça? O que eu vi foi uma bolsa quadrada e vermelha, provavelmente, de lona, com as alças feitas de uma tira preta que se uniam em cima, presas em uma das cordas do varal. A murada da cobertura não me deixava ver da cintura (cintura?) para baixo, o que me dificultou a verdadeira identificação do objeto. Ou será que preciso ir ao oftalmologista?
Até quando a dona desta bolsa vai deixar a coitada ali? Já deve estar dura de tão seca. E, bem feito, vai, com certeza, desbotar. Aí, estarei vingada por ela ter me enganado todos estes dias.

sábado, 24 de julho de 2010

Eu gosto muito delas!

Hoje olhei para elas e, imediatamente, comecei a refletir sobre a importância delas na minha vida. À medida em que meus olhos analisavam cada pedacinho delas, um filme projetava-se em minha mente. Eram elas que me presenteavam com o som das diferentes notas que emanavam do velho piano da minha casa e, quando na adolescência, resolvi me envolver com outro instrumento, lá estavam elas trazendo aos meus ouvidos o som fagueiro e romântico de um violão. Em meio às brincadeiras de menina, vestiam e desvestiam muitas vezes, a cada dia, as bonecas da minha infância. O que seria de mim se não estivessem presentes nas primeiras carícias de amor.Participaram e participam de todos os momentos da minha vida.
Um dia, pareciam estar se cansando dos muitos movimentos que faziam e passaram a transmitir dor, muita dor, e o bisturi foi necessário para que parassem de sofrer.
Houve um tempo em que jamais saíam à rua sem uma bela e, na maioria dos anos, chamativa pintura. Hoje, já não são mais tão vaidosas: uma cicatriz caracteriza o rosto daquela que se responsabiliza pelas tarefas mais precisas; a outra, a meu ver, é mais bonitinha, no entanto tem mais força. Até mesmo a pele delas, com a idade, já não é mais a mesma. Manchinhas escuras se instalaram, denegrindo a antiga beleza e limpidez. Engraçado, analisando bem, a da cicatriz recebeu mais dessas pintas, provavelmente, por ter se desgastado mais.Com certeza, cada mancha lembra uma situação, alegre ou triste, da minha vida.
Os dermatologistas que me perdoem, mas, graças a Deus, não fiz a besteira de tirar essas queridas das minhas mãos.

Volta..

Gente, querida!
Depois de mais de mês sem postar alguma ideia aqui, estou de volta. E aí vai o meu primeiro texto depois dessa parada.
Espero conseguir dar continuidade a essa agradável tarefa, porque, na verdade, ela me faz muito bem!
Beijo carinhoso a todos que usam um pouco de seu tempo, lendo minhas criações!

terça-feira, 1 de junho de 2010

Onde está você?

Quem disse que não posso?
Assim ela respondia para todos. Nunca vira alguém mais otimista que ela. Metia-se em tudo, fazia de tudo, abraçava tudo que lhe aparecia pela frente. Era uma guerreira. Assim diziam, assim ela se achava. Não havia dia em que não tivesse uma nova ideia, não inventasse um novo programa, uma nova atividade! Queria conhecer tudo, nunca se tinha por satisfeita. Saber, saber! Fazer, fazer! Ser, ser! Essa era ela! Não pensava no ter! A não ser ter amigos, ter amores, ter alegrias e... dissabores.
Alguém sabe onde ela está? Pra onde ela foi?
Onde está você? Estou sentido a sua falta!
Vem me fazer rir, vem me trazer vida, vem me dar vigor!
...?!
Olha ela aí!

domingo, 16 de maio de 2010

Vai, menina

Desde pequenina chamou a atenção. Sempre sorrindo, parecia amar demais a vida e dar a ela um valor muito grande. Era mimada por todos. Seus cabelos lisos e longos tinham o brilho e a cor do sol em dia de verão. Na face, em cada lado, aqueles buraquinhos, chamados covinhas, graça de poucos. Foi crescendo e transformou-se numa bela mulher. Ficou vaidosa! Vieram os namorados, as baladas, as tentações. E lá entrou nossa menina num mundo de onde dificilmente se sai. Acabou construindo dentro dela outra menina, também loirinha, engraçadinha que pai não tinha. Apaixonou-se muitas vezes, perdeu muitos amores, uns por doença, outros por morte matada, talvez encomendada, não por Deus, mas pelos homens maus da Terra. A vida foi passando e sozinbha ela ficou. Morava só, vivia só, tomava decisões só! Numa noite de chuva, algo aconteceu, ...e ela morreu... só! Ninguém sabe como, ninguém sabe o porquê, ninguém sabe quem! Jazia fria, no chão frio! No rosto não mais se viam as covinhas, os olhos não mais se apertavam com o sorriso! As roupas, que tanto ela escolhia para vestir, agora estavam encharcadas e sujas!
Vai, menina! Segura na mão de Deus e vai!

domingo, 9 de maio de 2010

Mãe

Hoje encontrei com uma amiga que me relatou a história de um menino que costumava andar pelas ruas da cidade. Suas pernas finas e seus pés, protegidos apenas por chinelos gastos, levavam-no por caminhos longos e diferentes a cada nova manhã. Seu rosto de criança carregava um olhar pesado e triste, parecendo pertencer a um adulto sofrido. Seus cabelos louros enredados deixavam transparecer a falta de higiene e de cuidados. Era difícil definir a idade! Poderia ter doze, quinze, sete ou quarenta! O que ele fazia? Pedia, sim pedia em nome da mãe. Mas só se aproximava de senhoras. Ninguém jamais o vira dirigindo-se a algum homem.
Um dia, quando ele se aproximou de minha amiga, esta lhe perguntou por que a mãe não trabalhava e o sustentava em vez de mandá-lo para rua. Ele respondeu apenas que sua mãe não podia trabalhar e saiu caminhando.
Algum tempo depois, quando minha amiga se dirigia para a casa de um de seus filhos, viu ao longe o tal menino. Para onde estaria ele indo? Caminhava na calçada do cemitério. Minha amiga, então, estacionou e ficou controlando os passos do garoto que entrou num dos portões de ferro. Ele levava na mão uma flor. Minha amiga saiu do carro e o seguiu. O menino parou diante de um monte de terra com uma cruz em cima e colocou ali a flor. Maria me contou que, chegando perto, conseguiu ver a lágrima que escorria pelo rostinho sujo, deixando um filete de pele limpa. Disse que o menino virou e deu de cara com ela. Ao olhar um nos olhos do outro, um impulso, vindo não sabia de onde, fez com que se abraçassem. "É a minha mãe!" disse-lhe o garoto, apontando para a terra.
Hoje, aquele menino não mais perambula pela cidade, mora na casa de minha amiga e recebe o carinho da mãe que lhe faltou quando ainda era um garotinho de seis anos.

quarta-feira, 5 de maio de 2010

...?

Lá vem ele!
Engraçado! Quantas vezes ele faz que vem, mas não vem; parece que vai chegar, porém, some como se não quisesse nada comigo. E eu me reviro, de um lado pro outro, na tentativa de alcançá-lo. Às vezes, ele vem de mansinho, enganando-me como se fosse um Don Juan inveterado. Fico desesperada na tentativa de consumir com esse desejo inexplicável e, fazendo uso de diferentes formas de matar o que me sufoca, vejo que nada me satisfaz, nada me leva aos braços dele.
No entanto, tem dias que, aos poucos, ele vai se chegando, vai tomando conta de mim e, sem que eu me dê conta de como aconteceu, já estou mortinha, aconchegada e feliz com os sonhos que ele me traz.
Lá vem ele! Vou ligeiro para cama antes que ele passe, e eu tenha de ficar rolando, rolando até que ele volte!

sábado, 1 de maio de 2010

Trem da infância!

Era já noite, e ela dirigia calmamente seu carro, quando se deu conta de que ouvia um ruído tão familiar e íntimo que se botou a olhar para todos os lados à procura do que trazia aquela sensação de passado. Olhando para direita, achou! Sim, lá estava ele, imponente, todo iluminado por dentro, seguindo o seu caminho, levando muita gente, sem digressões até a próxima estação. Era o trem que ligava a capital a outras cidades metropolitanas. Nunca havia passado por essa coincidência de andar paralelamente a ele. Os dois sempre passavam por aquela avenida: ela em seu carro, ele sobre os trilhos. E aquele encontro inesperado fez o coraçãozinho dela bater mais forte, como se fosse nele embarcar. Sim, coraçãozinho porque ela já se sentia de mãos dadas com sua mãe, parada na plataforma esperando a prima que também viajaria até uma cidade no interior, distante, hoje, apenas uma hora, mas que, na época, parecia muito longe. Era uma aventura! Ela e a prima iriam sozinhas! Era muita emoção! Na chegada ao destino, aquela tia gorda e fofa as receberia na estação e, na casa dela, as duas passariam as férias de julho. Nossa, quanta alegria, quanta brincadeira, quanto suco de uva feito em casa! Buzina! Upz! E de novo entrou no passado e ouviu sua prima lhe dizendo:"Vimos Fernando Roubando Galinha Sozinho!" sim era este o significado da sigla VFRGS que todos os trens da época tinham pintada nas suas laterais. Criança é engraçada! Ela achou o máximo e, deve ter mesmo ficado muito impressionada, pois jamais esqueceu o ensinamento.
Esses trens de agora pertencem à Viação Férrea do Rio Grande do Sul?

quinta-feira, 29 de abril de 2010

A minha cidade!

Eu moro numa cidade em que no final de tarde, a gente pode ver um sol no céu e outro no rio. Eu moro numa cidade em que de uma hora para outra, à beira do rio, um grupo de malabaristas monta seu Circo Petit Poa-RS e apresenta, em plena quinta-feira, números de dança, música, malabares, e humor. Eu moro numa cidade em que o pipoqueiro te serve com muito carinho e alegria, comenta o ventinho frio do dia, te dá um guardanapo junto com o saquinho de papel transbordando de pipocas quentinhas e te diz para voltar sempre. Eu moro numa cidade em que, ao enterdecer, tu podes avistar uma balsa carregadinha, deslizando suavemento no rio, deixando um caminho marcado nas águas, fazendo surgir, em nós - trabalhadores agitados, estressados - uma invejinha muda e dolorida. Eu moro numa cidade em que o guardador de carros, já velhinho, enquanto aguarda um troquinho, te diz piadas engraçadas num sotaque misto de espanhol e italiano, mostrando dente sim, dente não de um boca feliz que pede desculpas por falar-te, mostrando respeito por ti.
Alguém quer vir morar comigo? Na minha cidade?

domingo, 25 de abril de 2010

O Poder da Música

Hoje, comecei o dia daquele jeito que não se sabe nem o porquê, mas até se pergunta:"Levantar pra quê?" Mas em questão de segundos já me alonguei, saí da cama, tomei meu café, li o jornal do dia e fui pra rua. Sim, nada melhor do que ir para a rua quando se está um pouco pra baixo. Abri a porta do edifício, dei de cara com aquele dia "chove não molha", "água com açúcar", e outras denominações para não dizer "sem graça". Porém, lembrei-me de que haveria um concerto da nossa OSPA na Redenção e para lá me dirigi!
"Obrigada, Senhor!" Fui caminhando e a cada passo ouvia melhor a primeira música. Começara! Já sentia meus braços se arrepiando e os chorões, sim, porque meus olhos são uns chorões, enchendo-se de lágrimas. Pressenti o que me esperava. Consegui uma cadeira vazia no meio de tantas outras ocupadas. Estava a me esperar, tenho certeza! E, em meio aos acordes, escalas, solos e harmonias perfeitas, fiz uma viagem a minha infância, quando assistia a todos os concertos da orquestra da qual meu pai fazia parte. Ele era contrabaixista. Fechei meus olhos e senti meu pezinho de menina batendo o compasso no chão. Dali, do Teatro São Pedro voei mais e me vi em plena Disney assistindo àqueles espetáculos cujas trilhas sonoras são indiscutívelmente lindas. E assim, fui passando por diferentes momentos da minha vida. Finalmente, cheguei ao presente, com a apresentação do Yamandu Costa e do Borghetinho que me levaram ao êxtase de encantamento com seus talentos.
Para finalizar, a emoção de ver a garra, a alegria, o entusiasmo do público cantando junto com a orquestra o "Canto Alegretense" e o nosso hino, o hino do Rio Grande do Sul! Eu cantava junto, é claro!
Voltei outra para casa! Levantar pra quê? Pra isso: para se deixar levar pela beleza e magia da música!

quarta-feira, 21 de abril de 2010

O lixo

Todos os dias, na mesma hora, de segunda a sábado, ele faz o mesmo: desce os onze andares da mesma forma. Usando as escadas, alcança o lance onde fica o latão de lixo dos apartamentos acima, recolhe os saquinhos, às vezes fedidos, e coloca-os num grande saco plástico preto. E, assim, de andar em andar faz o seu serviço diário. Quando o saco preto está cheio, chama o elevador, e ali, acondiciona aquele envólucro que, se fosse examinado, revelaria a história de cada apartamento. Afinal, não é verdade que "diga-me o que comes, que te direi quem és", "Diga-me com quem andas que...", então, "Diga-me o que tens no teu lixo que te direi quem és!" Será?
Quantas vezes pego o elevador e faço minha viagem ao térreo acompanhada, sim acompanhada de um belo saco preto cheio de lixo. Sim, porque o ou os sacos pretos cheios de lixo só saem do elevador quando tudo já tenha sido recolhido.
Alguém pode me dizer por que estou relatando isso? Será para pensar nas ações repetidas e tristes de um ser humano? Não, acho que é porque não aceito andar de elevador com um saco de lixo! Adoro domingos! Não há perigo de descer com ele, o lixo!
A verdade é esta: preocupo-me com as pessoas que têm de fazer sempre o mesmo pois eu odeio rotina e ODEIO descer com o lixo no elevador!

quinta-feira, 8 de abril de 2010

Nunca é tarde!

Já é tarde! Mas tarde pra quê? A vida dele está sempre assim, na espera! No aguardo de que um dia algo vai acontecer! Ele não pensa se é tarde ou não. Sabe que o que tem de ser será. E é desse jeito que a vida vai passando por ele, uma cena atrás da outra, numa montagem delicada e às vezes incoerente. Frequentemente fica difícil acreditar nele, no seu talento, na sua capacidade de superação. Nem ele, em determinadas situações se valoriza; porém, lá no fundo, a chama da vitória latente está no aguardo do momento certo. Sim, e daí, num exato instante, inesperadamente, o milagre acontece! Acontece porque sempre acontece! Porque é preciso saber aguardar, ter esperança, acreditar! A magia da vida está no inesperado, na surpresa, na emoção da espera. Depois do acontecido, só nos resta buscar de novo, esperar de novo, acreditar de novo, sonhar de novo!!! O que é a vida sem sonho! Ah! Aqui está ele: "Bate coração, bate! Eu estou aqui te protegendo, te apoiando, te envolvendo, te admirando!"

quarta-feira, 31 de março de 2010

Ela!

E lá vinha ela, feliz da vida! Seu caminhar era tão leve que seus pés pareciam nem bater no chão. De onde será que vinha, para onde será que ia? Não sei, nunca soube e, provavelmente,... Todos os dias a mesma hora, ela passava por mim. Jamais pensei em perguntar-lhe alguma coisa: seu nome, onde morava, quem era, afinal? Aos poucos, fui me envolvendo de tal forma com aquela imagem que meu coração começava a bater diferente quando estava chegando a hora de sua aparição. E ao vê-la, tudo em mim mudava: minhas pernas, sempre doloridas, queriam correr; minha voz, rouca, desejava cantar; meus olhos, quase cegos, enxergavam tudo nos mínimos detalhes; minhas mãos, trêmulas, almejavam desenhar aquele rosto. Depois de sua passagem, nada mais tinha encanto. Tudo voltava ao normal: morno, insípido, inodoro!
Um dia, ela não apareceu. Não apareceu nunca mais! Ou fui eu que não mais a  vi?

quinta-feira, 25 de março de 2010

Correção!

Fiquei sabendo por uma professora de Química, mas estudiosa de Biologia, e muito amiga minha, o seguinte: primeiro, com respeito ao texto sobre a pomba que pousou na janela de meu apartamento - esqueci de falar que moro no nono andar - e cuja foto fez com que várias pessoas se manifestassem, dizendo que aquela ave não era pomba, porém não diziam o que era, cheguei a ouvir que podia ser um filhote de garça, garça...?! É pomba , sim!!!!! Segundo: no diálogo entre a cobra e o coelho, ela me falou que eu cometera um errinho no trecho em que a cobra fala que não enxerga, mas ouve muito bem. Errado! Ela é surda também!
Então, diante de tanta ignorância do mundo animal, decidi fazer a correção da fala da cobra verde no trecho em que ela diz:

"Cobra – Ora, eu não enxergo, mas eu ouço muito bem! Assim, posso fugir quando os inimigos se aproximam. E como sou verde, é fácil! Me confundem com qualquer plantinha."

Agora, naquele trecho, leiam para suas criancinhas isso:

"Cobra - Ora, eu não enxergo e nem ouço! Sou uma pobre cobrinha cheia de deficiências! Mas a minha língua...! Ah! a minha língua! Esta não me deixa entrar em fria, ela me auxilia na identificação de tudo. E, quando ela diz; "É furada, te manda!" Eu não duvido e fujo. Como sou verde, quase não sou vista pois me confundem com as plantinhas."

Gostaram? É isso aí, minha amiga Regina Bittencourt! Valeu! Obrigada!!! E continua lendo os meus escritos!!!

domingo, 21 de março de 2010

Nem tudo é o que parece!

Hoje, fuçando aqui no computador, entrei numa pasta, chamada Minhas Criações. Lendo os diferentes títulos, deparei-me com "O coelho vermelho e a cobra verde"! Lembrei que escrevera logo após ter inventado uma história para meu primeiro neto quando ele tinha, talvez uns dois anos. Hoje, já vai fazer treze, um mocinho! Eu tinha em casa umas cabecinhas de animais para colocar nos dedos e criar diálogos para as crianças. Eu adorava brincar disso, acho que mais do que meu neto. Não vou ousar perguntar-lhe. Li o diálogo e decidi postá-lo aqui. Espero que vocês tenham paciência de ler mais um pouco.


"O COELHO VERMELHO E A COBRA VERDE"


Coelho – (Cantando e pulando, feliz) Pelo campo afora eu vou bem feliz.... Ups!

Cobra – (Lânguida e falando devagar) O que que é? Assustei-o?

Coelho – (Caguejando, demonstrando medo) CaCaClaro! AAAfinal você é uma cococobra!

Cobra – Mas você não me conhece? Sou uma cobra verde!

Coelho – E daí? Cobra é cobra,... e eu sei que vocês são muito perigosas. A mamãe sempre me diz que vocês são traiçoeiras.

Cobra – Não é verdade! Existem cobras e cobras! Eu sou verdinha e me pareço com a grama, com as plantas. Quase ninguém me vê! Sabe, vou lhe confessar uma coisa: "Eu também não vejo ninguém! Eu sou cega!

Coelho – O quê? O quê? Quer dizer que você nem sabe que bicho sou eu? Nem sabe qual a minha cor? Então como é que você parou e está conversando comigo?

Cobra – Ora, eu não enxergo, mas eu ouço muito bem! Assim, posso fugir quando os inimigos se aproximam. E como sou verde, é fácil! Me confundem com qualquer plantinha.

Coelho – Viu? Viu? É isso que minha mãe fala! Vocês são traiçoeiras! Se disfarçam para atacar melhor!

Cobra – Ah, meu coelhinho vermelho, como você tem de aprender ainda. É lamentável que sua mãe o esteja assustando com inverdades. As aparências enganam!

Coelho – Ah é? Mas... para aí! Como é que você sabe que eu sou vermelho! (Olhando-se. E, quando olha de novo para a cobra, vê que esta havia sumido da sua frente) Ué! Onde você está?

Cobra – Aqui! Ás vezes, as aparências enganam sim! Inhac!

Coelho – Ai, ai ai! Meu rabinho, sua cobra mentirosa!

Cobra – Quem mandou deixar o rabinho pra fora da fantasia, seu rato nojento!

domingo, 14 de março de 2010

Sono perturbado!


Ontem à noite uma pomba instalou-se na beirada de uma das janelas da sala de meu apartamento. A princípio, levei um susto, afinal, isso não é comum, principalmente, quando já está totalmente escuro! Ela era branca e parecia estar muito bem ali. Eu, com a mania de fotografar tudo, corri, peguei o celular, que estava mais à mão, abri lentamente a vidraça e fui chegando mais perto para poder fazer um "close" da lindona! Sim, era lindona, o branco de suas penas tinha um perolado de dar inveja. Lembrei de meu vestido de debutante, ah! quanto tempo faz isso, mas eu não esqueço. Ele tinha três grandes babados bordados de lantejoulas nacaradas. Nacaradas? Será este o termo? Meu Deus, nunca mais havia falado essa palavra! Voltando a minha visitante, confesso que enlouqueci com aquela presença. Até esqueci que esses bichinhos não são bem-vindas por aí, portadoras de piolhos e transmissoras de doenças. Pus-me a clicar muitas vezes, com flash, sem flash, mais perto, mais longe, e ela ali, implacável, altiva, parecia serena, mas, na verdade, estava me observando, meio de lado, somente com o olho direito. Aos poucos, sua aparência foi mudando, não sei como notei, pois todos parecem ser tão iguais! Sim, aquela não era mais a pomba branca que pousara na minha janela. Suas penas não estavam mais com aquele brilho encantador, estavam, agora, assustadoramente rígidas, seus olhos haviam aumentado, lembravam botões, enormes! Eu, apesar de impressionada, continuava a querer mais poses daquele serzinho que resolvera fazer parte da minha noite de sábado. Foi aí que ela se virou de frente para mim, abriu o bico e disse com voz estridente e rouca:
- Não vai parar de me encher o saco? Tô a fim de dormir!
Eu dei um passo pra trás, bati em uma cadeira que bateu no abajour de pé e tudo foi ao chão, fazendo uma balbúrdia!
- Ah, tá! Desisto! Barulho, não!!!!!!! Vou procurar outra janela! Tchau, sua velha chata! - abriu as asas e saiu, batendo-as energicamente.
Fiquei ali parada, não entendendo nada! Fui dormir também, encucada!
Ao encostar a cabeça no travesseiro, pensei:
"Tomara que ninguém faça barulho!"

sábado, 6 de março de 2010

Cabeça fervilhando!

Louca para postar mais uma historinha, a cabeça fervilha com muitas ideias, mas ainda não estou enxergando bem; então, meus assiduos leitores, aguardem mais um pouco!
Beijinhos e obrigada por lerem meus escritos.

terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Tato

Faltavam quatro minutos para a meia-noite quando ela abriu a porta do elevador no andar de seu apartamento. No mesmo instante, a escuridão se fez. O que é isto? Faltou luz? De novo! É, apesar ou por estar agora morando no centro da cidade, muito seguidamente havia corte de luz. Por alguma proteção divina, ela nunca ficara presa no elevador. Essa é uma experiência que não queria vivenciar, embora já tivesse tido alguns pensamento sobre como seria.
Justo hoje, não havia pegado a chave de dentro da bolsa enquanto subia. E agora? Por que colocava tanta quinquilharia dentro de sua companheira diária. Com certeza, a coitada sentia-se sufocada com tudo aquilo. Bom, o negócio era exercitar o tato. Sim o tato! Ah, o tato... esse é um dos sentidos que quase não usamos no dia-a-dia, pelo menos, não conscientemente. Mas como viver sem ele, quanto prazer nos dá! Substitui o olhar, o ouvir e, até mesmo, o paladar, é só usar a imaginação! Lá vai a mão dela, tateando cada pequena coisa encontrada: o caderninho de anotações, a caneta, a carteira do dinheiro, a bolsinha de moedas, o pacotinho de lencinhos de papel, os óculos para ler, a carteirinha de cartões de crédito, o baton, o pó, a escova de cabelo, o talão de cheques. Onde está o molho de chaves do apartamento? Droga, havia esquecido que sempre colocava no bolsinho externo da bolsa. Lembrou: quando a cabeça não funciona, as pernas pagam. Aqui as mãos pagaram.
Acertar o buraquinho da fechadura! Tarefa bem difícil naquele breu que tomava conta de tudo. Lá vai o dedo indicador, enquanto o "pai de todos" e o polegar seguravam a chave, encontrada facilmente porque tinha uma ranhura num dos lados. Salva pelo tato de novo. Pronto, a porta estava aberta, e ela já estava em casa. Agora era entrar na cozinha, à direita, pegar o castiçal com a vela e a caixa de fósforos em cima da mesa. Sim, isso sempre estava ali para qualquer eventualidade. Como estava escuro! Ela tinha quase certeza de que não fechara as persianas quando saiu. Ups! a porta da cozinha fechada, ou melhor, chaveada? Parou! Seu coração batia mais forte, um temor começou a tomar conta de todo seu corpo. Ela esta tensa, ofegante! Tentou lentamente entrar na sala, mas esbarrou na cadeira de balanço. Por que estava ali? Empurrou-a para o lado deu um pequeno passo e...
"Parabéns a você, nesta data querida!
Muitas felicidades, muitos anos de vida!"
As luzes se acenderam! Ela nem lembrava, estava já de aniversário!
Olhou ao redor, pegou a bolsa e foi para o quarto. Já era tarde. Tinha de descansar!

sábado, 20 de fevereiro de 2010

Preconceito?!

Hoje, ao parar numa sinaleira, três meninos magrinhos, sujinhos, mal vestidos começaram a fazer malabarismos com algumas bolinhas de diferentes tamanhos, sem cores definidas. Não conseguiam fazer nada direito. As bolinhas estavam sempre caindo no chão. Um deles, o menor, na verdade, tinha o trabalho de buscar as bolas, o gandula do grupo. Para completar a apresentação, um dos meninos subiu nos ombros do mais forte deles e tentaram novamente fazer o que não tinham tido sucesso nem sequer com os pés firmes no chão. O sinal abriu, eu arranquei e, olhando pelo retrovisor, dei-me conta de que ninguém havia dado, pelos menos, uma moedinha para eles. Enxerguei, ainda, os três sentando no cordão da calçada, cabisbaixos.
Andei uma quadra e, para variar, outra sinaleira, fechada, é óbvio. Quando se está com pressa, sempre pegamos o sinal vermelho. E então, outro espetáculo, agora, bem diferente do anterior. Dois caras mais velhos, jovens ainda, vestidos e maquiados de palhaço, montados, cada um, em uma monocleta - bicicleta de uma roda, entenderam, não? - faziam malabarismos, não com bolinhas, mas com aqueles bastões, para não falar "paus". Era realmente uma bela imagem. Comecei a remexer em minha bolsa, sem tirar os olhos deles, até que achei umas moedas. Notei que um deles também me cuidava. Antes mesmo de a sinaleira ficar verde, desceram do... e começaram a recolher os trocados dos motoristas. Ao abrir o vidro da janela do carro, surpresa: eles nem brasileiros eram! O sinal abriu, custei a dar início a marcha, virei meus olhos para o retrovisor e vi: a maioria dos motoristas davam alguma coisa para os artistas!
Isso não foi preconceito?
Arrependi-me de não ter dado nada aos garotos; pensei em fazer a volta na quadra e corrigir o meu erro. Era tarde, já buzinavam atrás de mim, e eu estava louca de fome.
Fome?
Que horror!

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

A pensar...

Hoje encontrei com uma formiguinha. O que estaria ela fazendo naquele lugar? E eu, o que estava fazendo ali? Tudo era mistério. Quanta gente diferente! O ar era sombrio, a luz era... lusco-fusco! Sim, era essa palavra que meu pai usava para aquela hora em que nada estava mais tão claro como era antes. Muita gente ali. Muita mesmo. O silêncio foi interrompido. Uma voz masculina anunciou a procissão. Procissão? Sim, ela passou! O ritual teve início e as pessoas, uma a uma, dirigiam-se ao fim do grande salão, ou ao início, tanto faz! Lá, tinham suas testas tocadas pelo polegar de um seguidor. Seguidor? É... acho que é! Cantos foram entoados, sinos badalados, palavras proferidas. Rostos sérios, tristes, esperançosos, serenos. Rostos velhos. Sim, velhos. Onde estariam os rostos jovens? Descansando da folia? E os infantis? Jogando "Guitar Hero"? Cadê a formiguinha?
Lá ia ela, saindo! Ei, forminguinha! Volte aqui! Venha cantar, orar, pedir, agradecer, perdoar!
Capaz! Quando eu for bem velhinha, volto! disse ela, andando a passos rápidos.
Hoje é dia de recomeçar, dia de iniciar uma nova vida! Hoje é quarta-feira de cinzas!!! Inútil! Ela já não ouvia, estava longe.
Engraçado... eu gostei! Ui! Uma janela envidraçada! Não, não vou olhar-me!