terça-feira, 10 de abril de 2018

Roupas ao sol!

     Entrei no quarto e senti a brisa da manhã de outono entrando  pela janela. Um pouco antes, eu havia pendurado ali uma de minhas camisolas, a de que eu mais gostava. Já estava gasta, mas conseguia ainda me acariciar, principalmente, nas noites em que a insônia batia. Colocava-a para arejar, pois tinha medo de lavá-la muito, e acabar perdendo-a para o sabão em pó.
     Parei e, imediatamente, veio uma imagem que fez parte de um tempo de minha vida. Eu já tinha meus filhos e saía com eles todas as manhãs para pegarmos sol. Andávamos até a esquina e dobrávamos à direita. A segunda casa daquele trecho era um sobrado antigo, pintado de amarelo claro com os adornos arquitetônicos, de uma época mais longínqua, e o que era de madeira em marrom. Casa de porta e janela.  E foi aquela janela que veio à minha mente.
     Pela manhã o sol batia na fachada do prédio, e, na hora em que passávamos, a exposição já lá estava no umbral, aquecendo-se, tirando os mofos, melhorando os cheiros, diminuindo as rugas! Eram sapatos, meias, calças masculinas, paletó, tudo preto, lagarteando à vontade, sem vergonha alguma. Às vezes, uma camiseta branca destacava-se e, no inverno, não faltava um cuecão! Minhas crianças gostavam de brincar de adivinhar o que encontraríamos a cada dia! 
     Havia a respeito uma certa curiosidade: quem morava ali? as roupas nunca eram lavadas? E as suposições pipocavam enquanto seguíamos até uma pracinha próxima, onde o assunto, inevitavelmente, era esquecido. Eu sabia quem morava e tinha uma desconfiança de que água aqueles objetos não conheciam, pois, afinal, ali vivia, sozinho,  um senhor de cabelos brancos, muitas rugas e que, com certeza, não tinha mais condições de lavá-los. Um dia, a janela se fechou! 
     Voltei à realidade, acariciei a minha camisola, cheirei e deixei-a ali. Saí do quarto rindo, pensando no que ela provocava em quem a via esvoaçando diariamente no nono andar de um prédio no centro da cidade por onde o que mais passava eram carros e ônibus. Gargalhei! Ninguém sequer a conhecia!