Parei e, imediatamente, veio uma imagem que fez parte de um tempo de minha vida. Eu já tinha meus filhos e saía com eles todas as manhãs para pegarmos sol. Andávamos até a esquina e dobrávamos à direita. A segunda casa daquele trecho era um sobrado antigo, pintado de amarelo claro com os adornos arquitetônicos, de uma época mais longínqua, e o que era de madeira em marrom. Casa de porta e janela. E foi aquela janela que veio à minha mente.
Pela manhã o sol batia na fachada do prédio, e, na hora em que passávamos, a exposição já lá estava no umbral, aquecendo-se, tirando os mofos, melhorando os cheiros, diminuindo as rugas! Eram sapatos, meias, calças masculinas, paletó, tudo preto, lagarteando à vontade, sem vergonha alguma. Às vezes, uma camiseta branca destacava-se e, no inverno, não faltava um cuecão! Minhas crianças gostavam de brincar de adivinhar o que encontraríamos a cada dia!
Havia a respeito uma certa curiosidade: quem morava ali? as roupas nunca eram lavadas? E as suposições pipocavam enquanto seguíamos até uma pracinha próxima, onde o assunto, inevitavelmente, era esquecido. Eu sabia quem morava e tinha uma desconfiança de que água aqueles objetos não conheciam, pois, afinal, ali vivia, sozinho, um senhor de cabelos brancos, muitas rugas e que, com certeza, não tinha mais condições de lavá-los. Um dia, a janela se fechou!
Voltei à realidade, acariciei a minha camisola, cheirei e deixei-a ali. Saí do quarto rindo, pensando no que ela provocava em quem a via esvoaçando diariamente no nono andar de um prédio no centro da cidade por onde o que mais passava eram carros e ônibus. Gargalhei! Ninguém sequer a conhecia!