sábado, 24 de agosto de 2013

Uma janela!

           Finalmente ela está aberta. Ano após ano, diariamente, eu parava a minha vida por alguns minutos para ficar olhando e esperando que algo acontecesse, algo que me desse qualquer ideia sobre o que ela escondia. Hoje, quando abri a minha janela, ela já havia escancarado um sorriso para a manhã que iniciava repleta de alegria e prometendo belas surpresas. Esta era a primeira. O que mais me esperava?
          Passei o dia, largando o que fazia para dar uma olhadinha na minha vizinha. Cobri-me de uma ansiedade gostosa que foi, aos poucos, se diluindo até o entardecer. Nada aconteceu. O fato dela estar aberta, de estar deixando os raios solares penetrarem sua intimidade, de estar aguçando a curiosidade dos que ali passavam, de parecer querer ser igual a qualquer outra, não revelou nenhuma novidade. Dali nada se ouviu, nada se viu, nada aconteceu, nada foi revelado. Tudo estava exatamente como sempre estivera.
          A noite foi chegando e enchendo de sombras a minha rua, a minha casa, a minha vida. E assim, no escuro, como fazia quase todas as noites, arrastei meus pés de um lado para o outro, de uma parede a outra, numa espécie de ritual noturno à espera daquele que parecia não simpatizar muito comigo, o sono. Este nunca fora muito amigo meu. Costumava me abandonar em meio a pensamentos tristes. Eu já me conformara com minha sina. Conhecia os sons da madrugada, sentia o perfume das flores noturnas na primavera, identificava as mudanças climáticas apenas pela sensibilidade da aragem no rosto. Fui certificar-me de que tudo estava na seu lugar, as árvores, as folhas caídas, os insetos noturnos. E eu vi.
          Sim, do primeiro andar, onde estava, vi o interior da casa da frente. Havia uma luz quase imperceptível acesa, como se fosse uma vela, e entre móveis antigos andava, melhor, flutuava, uma linda mulher. Seu vestido era longo e branco, acho que era uma camisola, tão longo quanto seus cabelos ruivos encaracolados. Ouvi, muito suavemente, a melodia que a embalava.  Ela dançava. Eu pasmo com tanta beleza não mais me mexia. Meus olhos acompanhavam cada gesto, cada passo, cada movimento daquela que parecia ser um anjo que descera do céu. Então, ela veio até a vidraça e me olhou.
          Respirei fundo, estendi as mãos, e ela me buscou. Buscou e me levou!

(Foto tirada em Charleston, Georgia, USA, em fevereiro de 2013)

     
       


quinta-feira, 22 de agosto de 2013

Numa manhã de domingo

O domingo estava ensolarado. O caminho que havia pegado era desconhecido. Pelo menos eu não havia passado por lá ainda, no entanto ficava próximo à minha casa. Quis aventurar-me. Tomei uma estradinha de chão batido, esburacada, provavelmente, por causa das chuvas que tinham caído durante a semana que passara. A sensação de liberdade tomava conta de mim. Estava feliz e ria sozinha. Fiz uma curva para direita e o cenário me encantou. Ali, naquele trecho, as árvores formavam uma espécie de túnel. De cada lado da pequena estrada, nascia, ao som de martelos, batidas de madeiras, serra, vozerio masculino, uma cidade que, em poucos dias, traria do passado e das raízes do meu recanto as mais distantes tradições. Eu amo tudo isso. O que me incomodava eram os buracos que faziam com que eu pulasse muito em cima do banco da minha "bike", como dizem agora. Pedalava, apreciando tudo o que podia, e a alegria tomava conta de mim. Lá ao fundo, onde parecia que não haveria saída, eu tinha a esperança de encontrar algo, não sabia o quê. Talvez o rio, talvez uma outra estrada, não vinha ao caso. Minha curiosidade sempre fora aguçada e sempre me levara a novos caminhos,  não era a idade que me faria mudar. E assim fui até que avistei algo se movimentando que vinha na minha direção. A princípio não sabia se era um animal ou uma pessoa, mas, à medida que nos aproximávamos, aquele ser ia ficando mais claro. Ele caminhava cambaleando de um lado para o outro, era baixinho e carregava sacolas grandes, cheias de caixas de papelão nas duas mãos. Eu continuei na mesma trilha, e ele também. Estávamos cada vez mais perto. Então eu vi que ele me olhava fixamente, como se eu fosse um alvo a ser atingido. Eu não me afastava, aliás, não tinha para onde ir , para onde fugir. mas eu não estava com medo. Tinha a sensação de que nos conhecíamos, pobre idiota eu, sempre com a mania de confiar em todos e em tudo. O cheiro que exala de suas roupas já tomavam conta do espaço e, quando menos esperei, fui atingida pelas caixas que ele jogava furiosamente sobre mim. Não pensei muito, não reagi, apenas fugi. Consegui me desvencilhar e pedalar para longe da criatura. Quando senti que estava distante, parei e olhei para trás. O homem continuava esbravejando e me olhando com muita raiva. Senti medo, mas não havia mais perigo. No combate desta manhã, saí vencendo. Ele não parecia ter raciocínio suficiente para me enfrentar. Andei mais um pouco, olhei novamente, e ele continuava lá, furioso, olhando-me. Acabei dando  de cara com o rio e, à beira dele, tirei, com o calor do Sol, os fantasmas que haviam me perturbado. E o meu agressor? Conseguiria ele livrar-se dos fantasmas dele?

sábado, 17 de agosto de 2013

Eu moro numa cidade...

Eu moro numa cidade que, se numa manhã de sábado ensolarado, você decidir andar de bicicleta por um de seus parques, vai ser surpreendido com atividades que encantam. Ao começar a pedalar, é provável que ouça, ao longe, uma banda tocando. E no empenho de lá perto chegar, ao acelerar a pedalada, vai encontrar soldados com sua fardas impecáveis, barracas com atividades para os que ali passam, tanques de guerra onde crianças podem subir e explorar parte por parte da engenhoca.Bonecos em tamanho natural, vestidos com uniformes para cada atividade militar estarão espalhados por ali, podendo até confundir alguém menos avisado. E, não só os jovens, mas também os adultos, quererão tirar fotos como se estivessem encontrando personagens dos grandes parques do Walt Disney. Finalmente, ao aproximar-se da banda, você pode sentar e ouvir belíssimas melodias de repertório internacional. Continuando sua andança pelo local, passando por idosos, cadeirantes, cachorros, pipoqueiros, vendedores de água, aos poucos, a música vai mudando e a marcha que era ouvida se transforma num tango de Gardel, tocado e cantado por três rapazes argentinos. Avista casais que dançam e se beijam ao som e ao sol. Pode seguir por caminhos entre árvores e sentir-se livre, sim, nada dá melhor sensação de liberdade do que andar sobre rodas, deixando o vento esfriar o calor do rosto. E aqui, neste parque da minha cidade, tem um grande lago, onde vocês pode andar de pedalinho e viver recordações de infância, mais longínquas para uns, menos para outros, mas todas cobertas de muita emoção, com certeza . Hoje, especialmente, hoje, os festejos do Dia dos Soldados, trazem a possibilidade de embarcar num bote de guerra inflável e sentir-se personagem de algum episódio de guerra em meio a carpas e tartarugas. E, se, depois deste passeio, você decidir descansar, pode sentar-se ao sol, repousar a cabeça para trás, colocar as pernas sobre a roda traseira da "bike" e dar uma bronzeada na face sem cor dos dias de inverno aqui do sul. Foi isso que aconteceu comigo há pouco. Estou feliz! Não quer vir morar comigo na minha cidade? Vem!

quarta-feira, 14 de agosto de 2013

A porta da minha vida

Aquela porta sempre me deixava intrigada. Grande, pesada, bonita. Nunca a vira aberta. Limpa, sim, sempre estava limpa, bem cuidada, apesar de velha. Madeira boa! Também nunca vira alguém por perto, parecendo ter alguma relação com ela.
Essa minha curiosidade vinha desde os tempos de infância quando por ali passava ao ir para a escola. Jamais falei com minhas colegas sobre ela. O segredo parecia estar nela e em mim.
Um dia, eu estava perto dos vinte, fazia arquitetura, decidi chegar mais perto. Meus olhos pareciam que queriam comer cada detalhe. Tudo era impressionantemente bem feito. Mas pasmem! Não havia fechadura, havia aquelas argolas de ferro torneado, usadas para se bater na madeira e, assim, chamar atenção de quem lá dentro estivesse. Foi isso que fiz: agarrei-me às duas argolas e, com muita força e intensidade, bati. Bati insistentemente, não conseguia parar. Aquele som parecia estar me encantando demais. Senti-me brincando. Direita, esquerda, direita, esquerda.Tinha a sensação de que, no momento em que alguém me atendesse, um mundo diferente iria se apresentar. Não sei por quanto tempo repeti essa ação. Só sei que cansei. Cansei e fui me encostando nela. Meu corpo foi escorregando, exausta. Exausta, mas divinamente feliz. Quando lá no chão meu peito, encostou, o dia estava indo embora. Escurecia e, pela fresta que a separava da soleira de mármore onde eu agora descansava, uma luz foi me sugando. Tive a impressão de que eu havia virado um pedaço de papel que é levado pelo vento sem ter vontade própria.
Hoje aqui estou, virei uma luz, pequenina, mas cheia de mistérios e sabedorias. Não me lembro de mais nada de minha vida, a não ser o que aqui relatei. Ninguém aqui chegou. Quanto tempo? Voltarei? Continuo sem saber o que se passa do outro lado, agora o lado, talvez da vida, mas não tenho mais aquela curiosidade. Tudo parece estar no seu lugar!