quinta-feira, 20 de setembro de 2012

Ingógnita

Agora dera pra isso: deitar-se no meio do dia, podia ser pela manhã ou à tarde. Sentia-se cansada, deitava-se. Imagina se sua mãe lhe visse. Dona Maria jamais se permitira esticar-se na cama durante o dia. Dizia que era coisa de preguiçoso. Falava mal de quem costumava refestelar-se no leito sem que fosse noite. Mas ela não! Tomava aquela atitude como se fosse com o intuito de desaforo, não dava atenção a ninguém. Hoje ela estava lá, deitada, em seu quarto, de olhos fechados. O sol batia-lhe no rosto, era o sol do meio da tarde. Daqui a pouco ele já iria embora. Mas por enquanto, pelo semblante dela, estava lhe trazendo prazer, muito prazer. Dava-lhe ao rosto um ar de riso, os lábios era umedecido de vez em quando pela ponta da língua que passava pelo lábio inferior, depois pelo superior como se acariciasse algo precioso. O que estaria se passando naquela cabecinha. Lembranças dos tempos em que era criança e corria pelas calçadas ao sol? Não! Devia estar pensando nas carícias do seu único, primeiro, último e eterno amor, aquele de sua adolescência e que jamais voltara. Mas podia estar pensando nas peripécias que aprontava com a professora de piano. Sim, adorava esconder o livro de exercícios de solfejo, dó, ré, mi; dó, mi, sol! Era muito chato. Ela não gostava de ficar cantando as notas, não via sentido nisso. Não, aquele sorriso era de quando roubou a flor que sua irmã recebera do namorado, namorado. Ela não tinha namorado! Ficara esperando por seu amado uma vida inteira. Já é noite em seu quarto. Não se pode mais ver seu rosto, seu sorriso. O que ela estará pensando agora? Alguém me diz!

quarta-feira, 12 de setembro de 2012

Confusas sensações

A sensação era muito estranha. Estava parada ali já fazia algum tempo. Deitada, olhos fechados, imóvel. Meus músculos estavam tensos, porém não havia razão para isso, suponho. Era o final. Vem a minha memória outros dias que passara pela mesma situação, mas desta vez era diferente. A boca, a boca tinha de se manter aberta. Parecia que me colocavam arreios, sim, sentia-me como um cavalo que, apesar de sua força e tamanho, permanecia impotente diante daquelas pequenas mãos. Sim, pareciam mãos delicadas, mas eram fortes. Eu sou um cavalo? Se sou, por que não consigo dar um jeito nisso tudo. Minhas pernas estão começando a ficar inquietas. Mexo os dedos dos pés, mas aqueles tênis! Por que calcei tênis hoje? É tão difícil tirá-los. Vou tentar descontrair. Isso, está melhor! Respiro fundo. Tento abrir os olhos, mas a luz é muito forte. A tensão volta, baixo a parte inferior da perna direita, tirando-a da cama, e a sacudo para frente e para trás. Mas se sou um cavalo como coloquei os tênis? Não! Não são tênis, são ferros, ferraram meus cascos! E este peso no meu peito?! O que colocaram sobre ele? Mas se sou este cavalo como consigo estar deitada de costas? Nunca vi um cavalo deitar-se com a barriga para cima, mas é assim que estou. Esse negócio no meu peito parece emitir um vibração, leve, porém está ligado. Meu Deus, tem algo ligado sobre mim! As mãozinhas estão apertando um outro metal em minha boca, aberta ainda. O barulho, que barulho amedrontador. Todavia se sou um cavalo, sou forte, não preciso ter medo deste barulho, porém se for uma serra? Estarei eu num matadouro? Vão me cortar em pedacinhos? Não, não pode ser! Ouço uma voz: "Está quase pronto!" O quê? O que está quase pronto? Coloco a perna direita para cima da cama, ou será a pata? Retiram o peso de meu peito, mas minhas costas doem de tanto ficar na mesma posição. E agora? Por que esta água toda na minha boca? Vão me matar por afogamento? Ouço a mesma voz novamente: "Pronto, pode cuspir!" Abro os olhos, a cama está virando cadeira, estou na dentista! (Para a minha dentista, Larissa Kochhann)

sexta-feira, 7 de setembro de 2012

Carlota

Todos os dias Carlota saía, pegava o ônibus, ia até o centro da cidade, andava até o prédio onde ficava a empresa em cujo setor de marketing ela trabalhava. Almoçava no pequeno restaurante da esquina, junto com alguns colegas, nem sempre os mesmos, mas só! No final do expediente, tomava o ônibus de volta, chegava ao apartamento onde morava com uma velha tia por parte de pai, jantavam, assistiam a algum programa de televisão e iam dormir. Carlota, só! Era sempre o mesmo, igualzinho, só o que mudava era o tempo, umas vezes chovia, outras fazia sol, havia o inverno e os dias quentes do verão. O tempo ia passando, Carlota envelhecendo. Cuidava da tia, do trabalho, da casa, das contas. Ninguém cuidava dela. Um dia Carlota foi avisada de que não precisaria mais trabalhar. Seu tempo havia expirado, e ela agora podia gozar de dias livres, da aposentadoria. Carlota voltou para casa. Não sabia nem pensar diferente, tinha sido sempre tudo tão igual. Ficou sem sair por dois meses, nem pela janela sabia olhar, apreciar. Não se dava conta de que havia vida lá fora. Mas continuavam vivas ela e sua tia. Mais dois meses se passaram, sua tia morreu. Carlota continuava só. Passou a viver a vida das personagens das novelas a que assistia. Vestia-se igual a uma, caminhava como outra, fazia escolhas semelhantes a de mais outra. Até suas refeições eram programadas conforme o que os personagens comiam em uma e outra cena. Uma dia, numa determinada cena, a protagonista deu um basta à maneira como encarava sua existência, e Carlota fez o mesmo. Baixou de cima do roupeiro uma pequena mala, colocou algumas roupas dentro, pegou a bolsa de mão, levantou o colchão, recolheu todo o dinheiro que ali guardava há muitos anos, encheu a bolsa com as notas amassadas e saiu. Saiu pelas ruas, pelas avenidas,pelas estradas, pela vida! Carlota, ninguém precisa aprender a viver. A vida se vive!Seja feliz!

segunda-feira, 3 de setembro de 2012

Inspiração da Lua Cheia

A Lua nua passeia pela rua Eu em busca do teu eu Me enterro nesta terra iluminada Desesperada por de ti nada saber Oh! Lua que não é só tua Vem me buscar aqui na minha rua E me leva para onde eu encontre um belo conde que me faça voltar a passear de bonde Sentada à janela Olhando a Lua bela Até que ela suma Tentando fugir do sol Que a ela transforma num rol De saudade e maldade Sem nenhuma felicidade! Oh! Lua nua da minha rua!

sábado, 1 de setembro de 2012

Dormir?!

O dia estava iluminado. Já não estava tão frio, e era gostoso sair da aula de hidroginástica, ter cansado meu corpo, tomado um demorado banho, lavado a cabeça. Sentia-me limpa para assimilar tudo que o novo dia me presenteava. Comecei a atravessar a rua para chegar ao meu carro quando avistei, por entre os vidros que havia alguém, meio abaixado, atrás, bem em frete à porta do motorista. Diminuí o passo, pensei em voltar e aguardar até que nada mais pudesse me ameaçar. Sim era assim que sempre agia. Nos dias de hoje, quanto mais cautela e desconfiança, mais segurança. Porém, não fiz nada disso: não parei, não voltei, não aguardei; ao contrário: continuei caminhando em linha horizontal, olhando firme para aquilo que me assustara. estava tão absorta no que fazia que nem ouvi ou vi umcarro que, não só freiou e desviou de mim, assim como levei umas boas xingadas, daqueles tipo: "Ô, velha, tá surda?" Surpreendi-me, é claro, ma segui o meu caminho. Para poder verificar o que realmente estava acontecendo, decidi abrir o porta-malas, assim poderia dar uma espiada. Era um rapaz, mal vestido, um pouco sujo, não parecia estar drogado ou bêbado. Ele ajeitava algumas coisas no chão, bem rente à parede de um prédio que fazia divisa com a calçada. Sem medo, fui até a porta do carro, como a calçada era estreita, pedi-lhe licença, o que o levou logo a recolher o que estava sacudindo. Ele me deu um lindo sorriso e disse: "Desculpa". Eu, retribuindo o sorriso: "Não foi nada!" Sentei-me ao volante, liguei o carro e, abrindo um pouco o vidro, olhei novamente para ele. Foi aí que vi que já havia estendida no chão uma espécie de folha de papelão bem grosso, esse de caixa. Ele já se deitava e abanava por cima de seu corpo uma cobertor velho, azul escuro. Arranquei e aos poucos aquela imagem foi sumindo da minha visão. Eram dez e meia da manhã!