terça-feira, 26 de junho de 2012

Um verdadeiro amor

Nada a fazia desistir de um dia encontrar o verdadeiro amor. O tempo passava, os dias, às vezes, pareciam ter mais de vinte e quatro horas. Mas ela continuava a sua vidinha sem reclamar, sem se queixar das dores que começavam, de vez em quando, a fazer com que ela se desse conta de que tinha joelhos, outras vezes, notava a presença das costas no seu corpo cada vez mais cansado. Havia ocasiões em que se botava a caminhar pela cidade, como se isso a levasse a encontrá-lo. Ele, aquele que lhe daria tudo que ela merecia, que lhe faria todo o carinho do mundo, que a encheria de mimos como ela sempre fizera com todos que a cercavam. Outras vezes fazia visitas em diferentes Igrejas, onde rezava para todos os santos, pedindo sempre o mesmo: um grande amor. O espelho já não era mais seu amigo, não gostava de olhar-se nele. Parecia que estava velho, cheio de marcas que enfeiavam seu rosto. Preferia imaginar-se. Andava, apesar dos pesares físicos e emocionais, sempre de cabeça em pé. Não se deixava abalar muito. Afastava os maus pensamentos e procurava manter o bom-humor. Quando encontrava as amigas de outras épocas não conseguia controlar-se, acabava fazendo uma comparação do número de rugas dos rostos, do tamanho da papada do pescoço, da altura dos seios, do tamanho da barriga, enfim, tentava considerar-se em melhor estado. Numa noite, quando a chuva caía lá fora sem parar, e ela não pregava o sono, decidiu abrir a janela da sala e ficar olhando a rua. Ela morava numa avenida movimentada de dia, mas à noite extremamente calma. Ficou ali, pensativa, atenta a todos os ruídos até que, ao longe, surgiu uma luz que veio na direção dela e parou. Parou iluminando o seu rosto, a sua boca, os seus olhos, os seus cabelos. Olhou para a direita e enxergou-se no vidro da janela que abria para dentro. Lá estava o seu amor. Ela sempre fora o verdadeiro e grande amor dela própria. Deu dois passos para trás, fechou a vidraça e foi deitar-se feliz.

quarta-feira, 20 de junho de 2012

Cálcio

Ela entrou na casa de sua amiga e viu, na cozinha, na prateleira, acima da pia, aquele vidro. Imediatamente, como se fosse transportada para um passado distante se viu entrando no restaurante do pequeno hotel. O sol entrava pelas inúmeras janelas, o sol do entardecer. Era quase hora do jantar. Correu, seguida de seu primo, dois anos mais velho, e de seus pais. Acomodaram-se à mesa, sempre a mesma, à esquerda, encostada à parede de madeira. Como se colocasse uma foto em zoom, visualizou as mãos da mãe pegando o vidro de conteúdo branco, abrindo a tampa e enchendo uma colher de sopa com o granulado que ali estava acondicionado. Viu a colher se virando para ela, ficando cada vez maior, sentindo cada vez mais forte aquele cheiro. Apertou os lábios como se quisesse que não mais abrissem e fechou bem os olhos, como se aquela atitude pudesse evitar o sofrimento. Não, não podia. O som da voz de sua mãe mandando que ela abrisse a boca foi o empurrão que precisava. Automaticamente abriu os olhos e a boca e aquela enorme colher entrou. Os grãozinhos amargos e "fedorentos" pareciam aumentar ao toque da língua úmida da saliva criada em abundância, não sabia ela se de nojo ou se de medo. Mas que ajudava, ajudava. Engoliu quase que de uma só vez a fim de que o sacrifício terminasse logo. Olhou para o lado e viu a cena se repetir com seu primo. Voltou ao presente com sua amiga perguntando o que tinha acontecido. Então ela contou que ao ver o vidro de cálcio, lembrou de quando era obrigada a tomar durante os veraneios em algum hotel à beira de alguma praia. Devia ser pela fixação que o sol proporcionava.

terça-feira, 12 de junho de 2012

Meninas de coragem!

O telefone tocou, e eu atendi. A voz da minha prima gritava para eu ir ligeiro para a casa dela porque descobrira com quem estava meu anel de ouro com um pequeno brilhante, presente de primeira comunhão. Saí imediatamente e corri as duas quadras e meia que nos separavam. Lá chegando, subi esbaforida quatro andares de escada, até que me dei conta de que teria ainda mais oito para chegar ao apartamento dela.Uma outra amiga e minha prima me esperavam com a porta aberta ansiosas. Entrei e fui puxada até a área de serviço. Fizeram sinal para que eu fizesse silêncio e apontaram para onde eu devia olhar! Meus olhos foram baixando, percorrendo andar por andar, a vista que se tinha era das áreas de serviços dos outros apartamentos. Décimo primeiro, décimo, nono, e lá no oitavo andar estava uma moça magra alta, que já havia trabalhado na minha casa. Ela esfregava umas roupas no tanque e, em um de seus dedos, brilhava, àquela hora do dia, como se fosse uma estrela ímpar numa noite escura, o meu anel, o meu brilhantinho amado. Mas seria realmente o meu anel? Com o auxílio de um binóculo, analisei mais. Era, era ele. Porém surgiu uma questão: como o tomaríamos de volta? Ela nos entregaria sem problemas? E a solução que nós, adolescentes de quinze anos, da década de sessenta, foi chamar a polícia. Sim, nós telefonamos para a delegacia e, em poucos minutos, chegaram. Relatamos o fato, eles foram ao apartamento onde a moça trabalhava e a prenderam. Pasmem, embarcamos junto no camburão e fomos ao departamento de polícia. Lá o delegado a interrogou na nossa frente, ela devolveu o anel e nós... retiramos a queixa. O que queríamos era o anel de volta e que ela aprendesse a não mais mexer no que não era dela.

sábado, 9 de junho de 2012

Surpresa na noite

A noite estava fria, muito fria. Ela dirigia seu carro novo, indo para casa após o trabalho. Subiu a ladeira que fazia parte de seu caminho, parou numa das sinaleiras e notou que não havia mais ninguém na rua, além dela. Nenhum carro, nem estacionado, nenhuma pessoa, nem sequer cachorro ela viu. Olhou para os prédios ao redor e pensou: estão todos já dormindo, mas nem é tão tarde assim. Devia ser o frio. Tudo estava escuro, bem escuro. A luz vermelha da sinaleira trocou para o verde, ficou assim por uns trinta segundos e apagou. Foi o tempo de ela dobrar à esquerda para pegar a avenida principal que a levaria até seu destino. Tudo escuro e vazio. As árvores pareciam ter enchido suas copas, ela seguia, desconfiada. Sem esperar, surge a sua frente uma luz, bem densa, fortíssima. A princípio não identificou o que era até porque, neste momento, seu carro começou a engasgar como se começasse a faltar gasolina. Desesperou-se, disse alguns palavrões, e sua condução morreu. Abaixou a cabeça sobre a direção e agarrou-se a ela como se dali pudesse vir uma solução. O que poderia fazer? Foi neste momento, que sentiu um clarão cobrindo tudo. Levantou os olhos aos poucos, estava com medo. Focou o asfalto iluminado, seguiu aquele facho de luz e deu de cara com a causa de todo esse evento indescritível. Lá estava ela, enorme, densa, brilhante, em forma de um grande "D": a LUA! O prazer daquela visão foi tanta que saiu do carro, esqueceu o medo, o frio e caminhou sorrindo. Lembrou das noites da infância quando aprendeu que, se a Lua estivesse em forma de "D", estava decrescendo, minguando. Belos ensinamentos que jamais serão esquecidos. O carro? Ah! Ao chegar em casa, feliz da vida, ligou para o seguro!

terça-feira, 5 de junho de 2012

Coragem inesperada

Ela tinha quinze anos. Sempre parecera meio tímida, mas defendia com unhas e dentes os princípios em que fora educada. Todo dia, desde muito pequena, gostava de ser a encarregada de fechar a porta de veneziana da sala que dava para a sacada da casa. Dali tinha-se uma bela svista da rua. Lá pelas dez horas da noite, ela já de camisola, ia até a sala, abria a porta de vidro e com uma mão em cada bandeira da veneziana a fechava, certificando-se sempre se estava bem trancada, pois garantia, assim, a segurança da família. Porém, antes disso, curtia ficar alguns minutos espiando por entre as rendas da cortina da porta de vidro. Ficava no escuro, sem que ninguém a pudesse ver. Parecia que esperava ou tinha conhecimento de que algo poderia acontecer durante aqueles poucos minutos em que ela cuidava da sua rua. Do seu ponto de vista enxergava o prédio de um banco, não muito iluminado; uma casa de móveis, bem iluminada, mostrando mesas, camas, guarda-roupas, poltronas, tudo muito bem trancado por vidros e cortinas de grade; e uma joalheria, com vitrinas repletas de anéis de pedras preciosas, pulseiras de ouro, colares de pérola, óculos, e até vasos de puro cristal. Naquela noite, enquanto ali estava espreitando, viu um rapaz que caminhava de um modo estranho, olhando seguidamente para todos os lados. Isto a fez ficar em alerta. Ele foi, aos poucos, chegando pra perto da parede, passou pela loja de móveis, na mesma atitude suspeita, e já quase roçando as vitrinas da joalheria, foi até o fundo, deu uma parada, olhou de novo para todos os lados e deu uma estocada no vidro com algo que tinha na mão. Na mesma proporção em que os vidros caíam, nossa amiga, num impulso, abriu a porta e começou a berrar: "Pega ladrão, pega ladrão!" O rapaz levou um susto, olhou para ela, fez sinal "de banana" para ela e correu. Correu e sumiu. Os gritos alertaram o guarda do bairro que veio imediatamente, chamou a camburão, sim, naquele tempo, chamava-se camburão e ficaram cuidando da loja até o amanhecer. A garota foi dormir feliz por ter evitado um roubo e surpresa por sua coragem. Ao chegar da escola, ao meio-dia, aguardava-lhe um lindo presente do gerente da jolheria.