domingo, 23 de julho de 2017

Chapéu e gravata

     Aquele chapéu! Aquela gravata! Por que me tocaram tanto? Fiquei a me perguntar por alguns segundos! Mas logo me veio à memória o elegante moço que todos os dias, à tardinha, passava pela minha janela. Eu a ver o movimento, única distração daquela minha vidinha repleta de mesmices.
     Lembro que colocava uma almofada no parapeito para não machucar mais meus cotovelos que já não tinham a maciez de quando era menina. Calos os enfeitavam e deixavam claro a minha  vontade de  saber o que se passava fora de onde eu permanecia dias e noites. Aquela janela era o meu conforto, era a minha alegria, era a minha vida. Aquela alegria que eu não tinha, mas queria ter; aquela que não me fora presenteada, embora eu tivesse certeza de que a merecia.
     As pernas cansavam de ficar em pé, e eu, como uma garça, fazia o movimento de trocar uma pela outra, apoiando-me ora na direita, ora na esquerda. O chinelo ficava ali a esperar pelo calor do pé que o deixara. E, às vezes, ao roçar uma na outra sentia arrepios. Hoje entendo, porém não os sinto mais. Mantinha-me ali, assim, por duas três horas. Era bom demais.
     Lá pelas cinco e meia, quando o sino da igreja próxima tocava o primeiro sinal para a chamada da Missa das dezoito horas, ele dobrava a esquina, e eu começava a acompanhá-lo. Sua elegância me fascinava. O traje nem sempre o mesmo. variava do preto ao bege. No entanto, sempre completo: casaco e calça impecavelmente passados. mas a gravata e o chapéu  eram sempre os mesmos! O chapéu de feltro claro com a fita preta, e a gravata, ah, a gravata... era vermelha. Não vermelho sangue ou bordô, o que seria mais distinto e discreto, era vermelho vivo! Salientava-se tipo boca carnuda de mulher com batom daquela cor. Parecia que chegava antes ao destino de tão chamativa. E eu adorava. Não tirava os olhos dele até sumir na outra esquina. Pra mim nunca olhou!
     Hoje a visão de uma pintura de um amigo, onde apareciam um chapéu e uma gravata vermelha, me trouxe a lembrança daquela figura. Um dia, o elegante moço não mais apareceu. Eu continuo indo à janela todas as tardes. Não fico mais tanto tempo, as pernas já não aguentam.Mas sempre penso: "Será que ele vem hoje?"

segunda-feira, 17 de julho de 2017

Foi o calor?

O dia estava escaldante. Havia passado a maior parte da manhã na piscina do hotel até ter ânimo para sair para a rua. Esperava um motivo.  Chegou! A fome. Precisava sair e almoçar. Vesti-me com o menor número de roupas que fosse possível, coloquei o chapéu e fui. Fui sem saber pra onde. À porta do saída decidi ir para a esquerda. Caminhei lentamente por aquelas ruelas, encontrando pessoas andando como eu, devagar para aguentar a temperatura. De vez em quando parava para ver alguma mercadoria espalhada na calçado não com a intenção de comprar, mas de parar um pouco. Segui sempre reto, em frente. Passei por  lojas, bares, casas de câmbio, gente de todo o tipo. De repente a rua se abriu numa praça. Era uma praça diferente, não tinha árvores, não tinha bancos. Era uma quadrado descampado, com muitas pombas caminhando despreocupadamente e, lá no meio, estava ele de braços abertos. Estava  a me esperar, com certeza. Olhava-me fixamente. Usava um chapéu, diferente da maioria dos que as pessoas usavam, e tinha uma manta que ia até quase o chão. Como não sentia calor? Devia estar acostumado. Apesar de eu te certeza de que me queria, ele não dava um passo. estava estático como se fosse uma estátua. Porém o carinho de seu olhar me levou a me apaixonar imediatamente e a querer estar em seus braços logo. Acelerei o passo. Parei para tirar uma foto dele. Continuei em sua direção. A fome? Nem sei onde foi parar. Eu, sim, fui parar junto a ele e foi, então que me dei conta de que ele era mesmo uma estátua. Era a estátua de um Arcebispo da cidade. Eu estava na Praça da Arcebispo. Fiz mais um foto,uma selfie, agora bem junto a ele. Veio uma vontade de beijar-lhe a mão, quem sabe o sapo se transformasse em príncipe, mas me contive. Saí andando, comprei uma água e fui tomando gole a gole até sair do delírio!

terça-feira, 11 de julho de 2017

Um Ponto Final

Da série... "Um Ponto Final"

Gosto Doce

Estar sentada num dia quente, à noite, ouvindo o trote dos cavalos que puxam os coches, mais uma música indecifrável, mas de ritmo caribenho, em pleno junho, numa sacada com luz amarelada, buganviles coloridos cobrindo a cerca de madeira branca e uma ave invisível fazendo seu chamado, talvez para uma fêmea envergonhada, me faz literalmente lembrar-me do gosto doce do primeiro amor!



Refrescando a Alma

O sol, o vento, o barulho da lancha açoitavam minha pele, meus ouvidos, e a velocidade fazia com que o mar se dividisse em gotas e se espalhasse acima nível da água, molhando e refrescando minha alma que hoje está completamente feliz, completamente leve, completamente liberta de pensamentos que um dia me fizeram mal, de lembranças que um dia me fizeram chorar, de saudades que um dia pensei jamais esquecer.







Segurança

Caminhar sozinha pela noite, em ruelas meio escuras, depois de uma chuvarada que deixou o calor mais intenso, mas deixou também o brilho no asfalto e nas calçadas, encontrando de vez em quando uma pessoa ou, até mesmo duas ou um grupo, ouvindo diferentes idiomas, não me dá somente a sensação de liberdade, mas de segurança, sim de segurança , aquela que há muito não temos, aquela de que já nos esquecemos, aquela cuja falta vem nos tornando cada vez mais sós, mudos e cheios de medo!





Renovação

A brisa vem e com ela vem a vontade de correr por aí, entrando em todas as portas, abrindo todas as janelas, fazendo voar cortinas e pegando, em cada lugar visitado, a doçura para me lambuzar, a tristeza para exorcizá-la e,assim,fazer dessa minha intromissão um momento de transformação, um momento de vida nova, a fim de que seja banida da terra a fome , fome de alimento, fome de amor, fome de compartilhamento, fome de compaixão!




Preconceito

Veio na minha direção com sua gordura bélica balançando de um lado para o outro, deu um sorriso, que mostrou os poucos dentes que ainda tinha, estendeu a mão para me cumprimentar e disse que me levaria por todos os lugares lindos de sua cidade, embora eu tivesse pouco tempo para desfrutá-la; no entanto, depois de duas horas, eu chegava de volta ao ponto de partida, totalmente encantada com o lugar e a educação e delicadeza daquele ser quase amedrontador que me oferecera seus serviços e que eu, talvez por preconceito, quase não aceitara.