As duas andavam bem juntinhas, carregavam suas mochilas escolares, vestiam calças jean, jaqueta acolchoada de impermeável. Não chovia, o dia estava lindo, e elas conversavam e riam. Seus caminhares pareciam saltitares de gazelas felizes. As trancinhas pretas de uma estavam presas sobre a cabeça, as da outra voavam soltas.
Lá iam ou lá vinham elas da escola? de casa? Não importa! O que mais me chamou a atenção foi a singeleza do panorama. Era uma segunda-feira, todos corriam, os carros buzinavam, uma agitação danada. Eu atucanada, esperando que o sinal abrisse, para variar estava atrasada para meu compromisso, e elas alegres, alheias a tudo, não pareciam preocupar-se, nada abalava aquela felicidade ingênua, aqueles olhares puros, aquela alegria infantil. E eu, então, me procurei: onde está a minha criança, para onde foi a garota sonhadora, o que aconteceu com ela? Não era uma questão de perda, era, sim, uma questão de sono profundo, de troca de prioridades. Comecei a gritar, a chamar-me, dizendo: Acooooooorda! Acoooooooooorda! Buzinas de todo tipo vieram em torno de mim, gritos, mandando andar! Acordei! O sinal abrira! Ri, ri muito, apesar de todos os xingões que tomei. Olhei pelo retrovisor e vi as duas meninas, agora já de costas para mim. Como de costas para mim? Elas nem sabiam da minha existência, eu é que as deixara para trás, mas valeu!
Obrigada minhas lindas estranhas! Prometo que, a cada dia, vou, antes de qualquer coisa, chamar a minha criança. Ela tem de ir onde eu vou, ela tem de mostrar-me as belezas sutis que meus olhos de adulta já não enxergam, o perfume suave que minhas narinas embriagadas pela poluição já não sentem, o toque carinhoso do vento que meu rosto já tinha esquecido, a graça da vida que eu estava tornando tão dura!
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