
Lembro que colocava uma almofada no parapeito para não machucar mais meus cotovelos que já não tinham a maciez de quando era menina. Calos os enfeitavam e deixavam claro a minha vontade de saber o que se passava fora de onde eu permanecia dias e noites. Aquela janela era o meu conforto, era a minha alegria, era a minha vida. Aquela alegria que eu não tinha, mas queria ter; aquela que não me fora presenteada, embora eu tivesse certeza de que a merecia.
As pernas cansavam de ficar em pé, e eu, como uma garça, fazia o movimento de trocar uma pela outra, apoiando-me ora na direita, ora na esquerda. O chinelo ficava ali a esperar pelo calor do pé que o deixara. E, às vezes, ao roçar uma na outra sentia arrepios. Hoje entendo, porém não os sinto mais. Mantinha-me ali, assim, por duas três horas. Era bom demais.
Lá pelas cinco e meia, quando o sino da igreja próxima tocava o primeiro sinal para a chamada da Missa das dezoito horas, ele dobrava a esquina, e eu começava a acompanhá-lo. Sua elegância me fascinava. O traje nem sempre o mesmo. variava do preto ao bege. No entanto, sempre completo: casaco e calça impecavelmente passados. mas a gravata e o chapéu eram sempre os mesmos! O chapéu de feltro claro com a fita preta, e a gravata, ah, a gravata... era vermelha. Não vermelho sangue ou bordô, o que seria mais distinto e discreto, era vermelho vivo! Salientava-se tipo boca carnuda de mulher com batom daquela cor. Parecia que chegava antes ao destino de tão chamativa. E eu adorava. Não tirava os olhos dele até sumir na outra esquina. Pra mim nunca olhou!
Hoje a visão de uma pintura de um amigo, onde apareciam um chapéu e uma gravata vermelha, me trouxe a lembrança daquela figura. Um dia, o elegante moço não mais apareceu. Eu continuo indo à janela todas as tardes. Não fico mais tanto tempo, as pernas já não aguentam.Mas sempre penso: "Será que ele vem hoje?"