terça-feira, 17 de maio de 2016

A Volta

        O ônibus já não andava na mesma velocidade. Meu cochilo sentiu isso e despertou. O dia estava nublado, mas a paisagem estava lá. Passava ligeiro, eu queria ver os detalhes, mas fugiam do meu alcance. Meus olhos corriam atrás do que estava por vir e a dificuldade se repetia.
        A cidade era a mesma em que eu passara os verões de cinquenta e cinco anos de minha vida. Quantas recordações! A vida me fizera não mais voltar ali, não mais ter meus verões na velha casa amarela onde vi minha infância e adolescência passarem repletas de emoções, emoções de amores, emoções de dissabores, emoções de desespero, emoções de alegrias, muitas alegrias, de felicidades! Difícil lembrar de todas. Elas pipocam em minha mente de forma desordenada enquanto meus lábios abrem-se num sorriso incontido. Sinto a umidade das lágrimas da saudade tomando conta de meus olhos.
      E a casa amarela viu meus filhos crescerem, aprenderem a não usar fraldas, a largarem a chupeta, depois a mamadeira, a andarem de bicicleta, a criarem suas emoções e formarem suas recordações. A música, as apresentações na garagem para os vizinhos. A formação de suas profissões. As namoradas, as esposas, os amigos, os bolos da avó, os churrascos de domingos. E ela, a casa amarela, sofrendo às intempéries, mas curtindo os acontecimentos.
      Os netos chegaram, e ela viu parte de suas vidas. As subidas nas árvores, os pique-niques lá no alto. Eu a mandar por uma cestinha amarrada numa corda os comes e bebes deles. As novas crianças, novas amizades. A piscina de armar no grande pátio, os jogos de futebol. As bananeiras, que só davam frutos no inverno, mas que serviu para apreciarmos as belas flores delas no verão. Grandes ensinamentos. A tudo ela presenciou, abraçou com sua simpatia, com jeito de uma grande mãe de todos nós.
        Um dia, tivemos de vendê-la e não mais a tivemos em nossas vidas, só em nossas mentes. Tempos depois foi demolida, suas madeiras, em cujas entranhas estávamos todos da família, levaram nossos pedaços despedaçados pela saudade. Sobraram as fotos, as memórias.
       O ônibus chegou à rodoviária. Cheguei. Voltei. Voltei a Tramandaí, voltei para trabalhar, voltei para sentir o vento da terra acariciar meu rosto, ver o mar que tanto me embalou em suas ondas.
       Lá está minha amiga para me levar ao local da labuta!
     

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