terça-feira, 6 de março de 2018

Pai, obrigada!

     A morte de um grande empresário de uma cidade perto da minha me fez lembrar dos grandes homens, pelo menos era assim que eu os via na minha infância e adolescência. Este já estava com idade avançada e os demais da época já nem existem mais. E conversando pelo Messenger com uma amiga sobre o caso, veio-me à mente a figura de meu pai. Acabei relatando a ela passagens que vivem comigo até hoje, e olhem que já passei dos setenta.
     Meu pai já estava com mais de cinquenta quando eu nasci. Foi pai e avô, e isso foi incrível na minha formação. Mas quero falar do homem. Daquele empreendedor, empresário, trabalhador. Sim, ele trabalhava junto com seus funcionários, tanto na fábrica de caramelo - invenção química dele - como no escritório de vendas de terrenos.
     Muitas madrugadas, eu pequena, ouvia os passos dele, pelas quatro da manhã. Logo adormecia novamente, mas ele, ele saía de seu quarto, descia as escadas e entrava no grande galpão atrás da nossa casa onde ficava a fábrica. Vestia um grande avental, calçava os tamancos e, junto com os empregados, perto de um fogo enorme, mexia com longas e fortes pás de madeira o líquido negro e viscoso que fervia dentro de tonéis. Ah! Quase ia esquecendo! Já naquela época, meu pai cuidava da higiene. Todos amarravam um pano, em triângulo na cabeça e usavam luvas!
     Lá pelas dez, vinha a parte de que eu mais gostava. Por estas horas, eu já estava por perto dele na fábrica, Ele tirava as proteções, a gente subia para casa, ele ia para o banheiro lavar-se ou tomar banho, não sei, e eu deitava na cama de casal, no quarto de meus pais, esperando ansiosa. Ele entrava, muito silencioso, sim, meu pai era silencioso e calmo, pegava a estante de colocar partituras, escolhia uma, tirava seu contrabaixo do canto onde ficava apoiado, e começava a tocar. Eu amava escutar aquele som tirado com o passar de um arco feito de madeira e cabelos, será que eram de cavalo? Eu pensava que fossem! Gostava de pensar assim. Ele ficava passando aquele arco nas cordas do grande instrumento por quase uma hora, enquanto eu me rolava na cama de um lado para o outro, não tirando nem os olhos, nem os ouvidos de tudo que acontecia no momento mágico! Nunca adormeci ou fiz qualquer barulho! Chupava, sem fazer qualquer som, meu bico, a chupeta, como chamam hoje. E, de vez em quando, enrolava uma mecha de cabelo. Mas eu quero falar de meu pai empreendedor!
     Á tarde, ele descia novamente as escadas e entrava no escritório de vendas de terrenos. Meu pai foi um visionário que ajudou a cidade de Porto Alegre a crescer. Uma cidade à beira de um rio, só tinha de crescer para o outro lado. E nasceu e desenvolveu-se a Zona Norte. Para ele não tinha nem sábado. E eu o acompanhava no trabalho. Íamos até quase Gravataí e medíamos os terrenos, que formaram vilas e bairros,  Trazíamos de volta tudo anotado para, depois, os especialistas fazerem os mapas.
     Aprendi,  trabalhando com ele desde cedo, que trabalho feito com amor é diversão. E que, quando se acha que nada mais existe para  fazer, é só sentar calmamente, analisar a realidade, dar tempo ao tempo que, quando menos se espera, a gente está produzindo de novo.  Esqueci de falar no início do texto que estas atividades de meu pai começaram após o fechamento da loja de chapéus que estavam caindo em desuso. Não esperou quebrar, fechou! Não disse que ele era visionário?
     Pai, obrigada! A vida mudou, mas acho que consegui aprender!
   

Um comentário:

  1. Excelente texto Lourdes
    Feliz de quem tem o que lembrar de pessoas tão importantes, que fizeram parte das nossas vidas.
    Abraço

    ResponderExcluir