A campainha tocou, era o rapaz do décimo quarto andar. Por que viera até mim? Poucas vezes nos encontráramos. Mal e mal nos olhávamos, só fazíamos um movimento com a cabeça, como se disséssemos "Ok, te cumprimentei!" Morador do prédio há alguns anos, vinha preparando aos poucos o apartamento para quando casasse.
Nunca alguém vira a namorada ou noiva. Os comentários eram de que ela morava no interior. Ele, ao interior, nunca fora. Estava sempre batendo aqui, furando ali. Não tinha pressa, tinha obsessão pela perfeição, era o que diziam. Nunca estava satisfeito. Trocava a cor das paredes a cada ano. A cozinha reformara mais de duas vezes, assim que via novidades. O colchão da cama de casal também já trocara, dizia que não duravam como falavam nas propagandas.
Fazia muitas compras no supermercado, parecia que morava com muitas pessoas, como se precisasse alimentar um batalhão. Jornais, assinava todos da cidade, não colocava fora nenhum. Quase que semanalmente entregavam algum produto comprado desses sites que anunciam promoções. Tinha umas três bicicletas, jamais fora visto pedalando. A tele-entrega da farmácia diariamente trazia-lhe encomendas
Era realmente estranho o rapaz do décimo quarto andar. Se algum vizinho, o zelador ou o síndico batesse à porta dele, não tinha a delicadeza de convidá-los a entrar. Ninguém sabia o que existia além da porta, agora de ferro, mas já fora de madeira. Só o que passava pela portaria era conhecido. E passava muita coisa, como passava!
De repente, quem deixou de passar pela porta, pelos corredores, pela portaria foi o rapaz, não mais tão rapaz assim, muitos anos haviam transcorrido. Nada mais chegava para ele, nada mais lhe era entregue. Os conhecidos do edifício preocupados decidiram arrombar o apartamento. Ele poderia ter tido um mal súbito. Mal conseguiram abrir a porta, caixas tiveram de ser empurradas para que pudessem entrar. Lá existia tudo o que se pudesse imaginar. Tudo empilhado, amontoado, empoeirado.
Agora, ele está aqui, frente a minha porta. Através do olho mágico vejo sua impaciência. Está com ar cansado. Por onde terá andado. Continua só. Abro ou não abro?
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