Aquele baú sempre fazia barulhos que
me deixavam intrigada. Em diferentes horas do dia ou da noite, no frio ou no
calor, ele estalava. “Madeira antiga, boa” – diziam - “É normal!”. E eu repetia essas desculpas
quando alguém desprevenido se assustava ao ouvir seus quase gemidos. Está
comigo há mais de quarenta anos, mas nem sempre foi meu. Comprei de um casal de
colonos, velhos, que já não queriam tantos móveis em casa. Ele ainda enfeita a
minha sala.
Há uns dois anos, decidi guardar
algumas roupas que havia comprado num brechó para a montagem de uma peça
teatral. Acomodei, delicadamente, sem muitos vincos, as mais pesadas embaixo,
as mais leves em cima. Ficou ótimo,
desobstruiu meu armário pessoal. Entre as roupas guardadas havia fraques,
camisas com colarinho alto, tiras de seda para fazer os laços masculinos do
século XIX, trajes femininos e uma camisola de voal plissado em tom quase areia
com seu chambre de mangas longas e soltas. Lindo!
Na noite passada, a luz se foi e eu
passei a caminhar pela casa no escuro, uma de minhas manias. Às vezes até para
trás. Dizem que é bom para o cérebro. O calor estava muito forte. Ao passar
pela sala, ouvi os estalos do baú. Não dei bola, afinal já estava acostumada. Continuei
a perambular e, de repente, me dei conta
de que estava andando no compasso das batidas. Sim. Não eram os ruídos
habituais, eram batidas como se alguém quisesse sair de dentro dele. Adentrei a
sala e imediatamente o toca disco passou a emitir uma valsa. Dei dois passos
para trás, parei no corredor e a valsa parou. Entrei novamente e quando vi eu
dançava ao som e ao compasso daquela bela melodia.
Tentei olhar e ver alguma coisa. Virei-me na direção do baú.
Nada, só a valsa que me embalava.
Permaneci no delírio, eu não queria parar. Senti, então, mãos quentes e macias percorrendo
meu corpo, minha face, meus cabelos. Braços enlaçaram minha cintura de maneira
bem firme, um peito forte e másculo amassou docemente meus seios e um aroma de
flor do campo tomou conta de mim. Medo nem passava por minha cabeça.
O momento era de plena felicidade. Não! Eu não queria que a música parasse, eu
não queria me sentir livre, eu não queria que a luz voltasse.
Ela voltou! Clareou a casa toda. Deixou-me ver canto por
canto. Permitiu que eu me enxergasse. Eu vestia a camisola e o chambre! O baú continuava fechado como sempre esteve. Não havia mais música. Na
minha memória, aquela sensação de ser amada, de ser desejada. Um leve e maroto
sorriso alterou o contorno de minha boca! Tomara que falte luz amanhã!
SraKauffmann, que maravilha! Até senti uns arrepios. Parabéns pelo excelente texto. Beijos.
ResponderExcluirÓtimo texto
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