Mesmo desse jeito, Noêmia casou, teve filhos, estes cresceram, foram embora, o marido morreu. A criatura ficou sozinha no sítio onde morou desde que se casara. Nem tentou mudar. Dali tirava o seu sustento, na verdade, seu alimento. Tirava leite das vacas, não bebia nem vendia tudo. Fazia queijo, acabava com o intestino entupido de tanto comer. Colhia flores do jardim, e a casa virava quase um cemitério com a mistura dos cheiros bons e dos podres. Colhia alfaces, não vendia muito, pois esperava que alguém aparecesse, e terminava passando dias comendo muitas folhinhas verdes. O que acontecia? Entrava numa diarreia sem fim que a atirava na cama por horas de tão fraca. E assim era a relação dela com os alimentos.
Não saía dali com exceção do quarto dia do mês quando ia ao banco pegar o dinheirinho que recebia como viúva. Espera na estrada o ônibus que a levava, cobrindo-se de poeira. Desembarcava, caminhava duas quadras, entrava no prédio moderno, pegava a pensão, colocava na pequena e puída bolsa de couro com alças curtas, tomava a condução novamente e, chegando de volta, dividia as notas em vários montinhos e ia escondendo pela casa. Não gastava. Não tinha carro, não tinha televisão, não tinha rádio, não tinha fogão a gás. Às vezes, quando precisava andar mais longe dentro do sítio, montava no velho burro, não para poupar suas pernas, mas para fazer o animal se mexer um pouco. Gostava de sentar à varanda e ficar apreciando o movimento dos pássaros, dos insetos e dos pequenos animais. Seu rádio era o canto do galo, o cacarejar das galinhas pondo ovos, o canto das aves. Fazer fogo no fogão a lenha era o seu divertimento.
Um dia, lembrou de uma tia que tinha na capital. procurou e achou um papelzinho com o telefone. No mês seguinte, quando foi pegar seu dinheiro, pediu licença para o gerente do banco e telefonou para a tia. Combinou que iria visitá-la Diversas vezes se entusiasmou, mas acabou desistindo. Ao ver o chão de seu quintal pintado de laranja pelas bergamotas no chão; de verde, pelos limões que não dava conta de consumir; de vermelho pelas mangas que lhe caíam na cabeça, tomou uma decisão e não pensou em nada. Recolheu as frutas em bom estado, pegou vários queijos, colheu alfaces e chás, colocou tudo em sacolas de lona, pegou o dinheirinho que conseguiu achar, nem fechou a casa e foi para a cidade grande. Ela, Noêmia!
Viajou encantada com tudo que via, chegou, tomou um táxi e, como o falecido havia uma vez ensinado, deu um papel com o endereço e alcançou a sua meta: a tia Rosa! Foi ficando, gostando, até que um dia a tia a convidou pra ir à aula de hidroginástica. Disse que iria assistir. Lá a convenceram a entrar na piscina. Titubeou, porém estava disposta a mudar. Pegou um maiô emprestado, vestiu-o, dirigiu-se ao ambiente da aula. Iniciou um longa e cuidadosa descida das escadinhas. A água foi subindo, ela afundando. As demais senhoras, ocupadas com os exercícios, não viram Nada, não observaram a Ousadia, o Esforço, a Mágica, a Inabilidade e o Afogamento de Noêmia! A Noêmia Nada, Oca, Estagnada, Medrosa, Insegura, Abobada havia realmente mudado!
Muito bom, Lourdes Kaufmann! Conheci algumas Noêmias,felizmente nem todas passaram de Abobadas a Afogadas, mas algumas se afogam, sim.Brilhante a descrição da Noêmia!
ResponderExcluirAdorei! Acho bastante significativa esta representação das iniciais do nome em sugestivos adjetivos.
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