terça-feira, 4 de agosto de 2020

Sons da pandemia 01

          Hoje acordei ao som do apito de um navio. Imediatamente veio a minha lembrança as histórias que ouvia de meu pai quando este som chegava a nossa casa, num momento em que podíamos ouvir. Dei-me conta de que morávamos a quatro quadras do rio. Lembrei também da história que minha mãe contava sobre o pai dela, que era comandante daquelas pequenas embarcações que fazia o trajeto Porto Alegre, São Jerônimo ou Triunfo, não sei direito. Ela dizia que corria junto com os irmãos para receber o pai. Fiquei deitada na cama, vendo estas cenas contadas passando pela minha memória. 
          Quando decidi levantar, fui direto à janela, abrir tudo, cortina, vidro, persiana, para ver o brilho esplendoroso do dia que recebia. Olhava para o azul do céu quando outro som me surpreendeu. Era um bem-te-vi que falava que tinha me visto. Procurei-o e encontrei-o sozinho, cabeça erguida, em cima da murada do terraço de um prédio bem próximo. Sim, eu tenho certeza de que ele conversava comigo. Ficamos um tempo emitindo sons um para o outro. 
          Ao me virar para sair da janela, ouvi o miado de um gato. Onde está este bichinho agora? Estava no mesmo prédio, mas alguns andares abaixo, acho que tomando um banho de sol, pois fazia pose entre o vidro da janela e a rede que o protegia. Protegia ou prendia? Não vou entrar nesta discussão. Lindo, totalmente branco, olhava-me e miava. 
          Será que se não estivéssemos na pandemia, eu ouviria estes sons? Sentira carinho neles? Encantar-me-ia com eles e pararia a minha vida para dar-lhes atenção?
          

10 comentários:

  1. Gostei muito, profe. A pandemia faz essas coisas com a gente, abre gavetas mentais e reaviva memórias... Parabéns!

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  2. Claro que não Lourdes!
    Estaria preocupada demais com tantos afazeres artísticos!
    Às vezes, mesmo o melhor de nós, rouba-nos uma parte essêncial da vida!!!

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  3. As ruas, agora silenciosas, nos fazem ouvir outros ruídos .
    Muito bom, Lourdes!
    Beijão!

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  4. Tenho tido também muitas voltas ao passado Momentos que nunca mais estiveram na minha memória. Na maioria deles eu teria agido de forma diferente. Não sei se melhor, mas sei diferente.

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  5. Lindo texto!! Sigas teus institutos artísticos, culturais...parabéns!!

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