domingo, 8 de agosto de 2010

Meu pai

Hoje, após ler a crônica da Martha Medeiros, deu uma vontade enorme de falar sobre meu pai. Há algumas imagens que permanecem e, com certeza, pemanecerão para sempre na minha memória. As lembranças mais remotas que tenho dele são de um homem muito grande, calmo, sério - engraçado, não tenho lembrança de seu sorriso. Podem pensar: Brabo, então! Não, doce, afetuoso e sábio. Meu Deus, como ele sabia coisas e quantas histórias tinha para me contar. O hábito de fazer um soninho após o almoço o acompanhou a vida toda, e isso para mim representava o momento da magia. Deitava ao seu lado e me deliciava com as histórias que contava, algumas verídicas, referentes a diferentes situações de sua marcante passagem neste mundo; outras lidas, tiradas da antiga revista "Seleções" a qual não deixava de comprar e ler semanalmente. Hoje, quando vêm a minha lembrança alguns daqueles relatos, desconfio de que ele enriquecia todos com sua criatividade. Outra visão inesquecível é de vê-lo, através da vidraça de um janelão que mostrava o seu escritório, sentado numa das poltronas do conjunto de couro preto, lendo o jornal do dia. E foi ali, no seu colo, que aprendi as primeiras letras, as primeiras palavras. Hoje, sento numa dessas poltronas, que conservei e da qual não me desfaço, para ler o meu jornal. Às vezes, parava quase que instantaneamente as brincadeiras quando ouvia o som de seu contrabaixo. Sim, o meu pai era contrabaixista de orquestra sinfônica! Sempre que ele parava o trabalho para estudar o seu instrumento, que ficava imponente encostado num dos cantos do quarto de meus pais, eu deitava na cama deles, fechava os olhos, e ouvia, e viajava por lindos campos verdes, por águas límpidas, céu azul, na companhia de muitos animaizinhos. Aquelas notas graves, puxadas com todo o cuidado pelo arco cuidadosamente mantido com o breu, que era guardado num caixinha vazia de pó de arroz da minha mãe, simplesmente me encantavam. Lindo! Tive uma infância regada a arte. À mesa, na hora do almoço e do jantar, o meu lugar era exatamente o oposto ao seu. Vejo-me fitando aquele ser respeitável que não permitia que se falasse muito nesses momentos porque a comida era sagrada e comer exigia um ritual e muita compenetração. Era metódico, sim, se eu tivesse de resumir meu pai a uma palavra, eu diria "metódico". Vejo as fatias de pão em um prato fundo à esquerda de seu, o copo com cerveja à frente, e ele cortando em pedaços pequeninos a carne da refeição.
Passaria o resto do dia, escrevendo sobre meu pai, meu velho pai, que se foi quando um de meus filhos nasceu. E plageando Martha Medeiros, "Pai é um só". Saudade, pai!

4 comentários:

  1. Escutava muito minha mãe falar do teu pai, que eu gostaria de ter conhecido, pois sempre que ela falava abria-se um sorriso de uma encantadora recordação.

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  2. Lourdes: há muita ternura no teu texto. Gostei!!

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  3. gostaria de ter lembranças belas assim do meu... parabéns pelo teu texto

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  4. Lembrar do Pai é lembrar de parte da estória de cada um, bacana as tuas recordações tia Lourdes! Este era o meu bisavô, adorei saber um pouquinho mais sobre a vida deste querido senhor.
    Bjnhos.

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