quarta-feira, 16 de maio de 2012
Alguém hoje faz isso?
Ele foi-se chegando lentamente, com aquele seu jeito único e silencioso. Trazia nas mãos umas folhas de papel dobradas. Pediu-me licença para atrapalhar o meu trabalho, sentou-se numa cadeira de forma que ficamos como se estivéssemos numa daquelas conversadeiras usadas muito antigamente. Com as mãos trêmulas foi abrindo uma por uma as dobraduras e vi que eram três folhas de papel de carta, tipo seda, as três totalmente escritas de um lado. A cor já era amarelada, e a tinta já estava quase apagada, mas a caligrafia era algo incrivelmente simétrico, parelho, perfeito. Mais uma vez pediu-me licença, agora para ler aquela que tinha sido a terceira carta escrita, num espaço de doze horas, para a moça que havia despertado em seu coração a chama do amor eterno. Começou a ler com a voz firme de um adolescente, dando-me um olhar de quando em vez. A comparação do que ele sentia ao que os mais diversos pares famosos reais ou da ficção sentiam demonstrava o tamanho do amor e da cultura daquele homem admirável. E assim foi passando, através de sua voz, Romeu, Julieta, Desdêmona, Othelo, Chopin, George Sand, Hamlet e outros, sempre e cada vez declarando o quanto ela, a amada, lhe enchia de inspiração e confiança no futuro. Quando terminou a leitura, apontou para um retrato na parede ao fundo de um corredor e disse que ela era culpada de tudo que havia escrito. Agradeceu a minha atenção, dobrou as folhas, levantou-se e foi para seu quarto, onde talvez seja o lugar que tenha escolhido para aguardar o dia em que com ela voltará a se encontrar. Deixou-me ali pasma, embevecida com tanto amor e tanta cultura que um homem nos seus oitenta e três anos ainda consegue manter intactos. Eu é que agradeço a lição, seu Rubbo!
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Fiquei emocionada com a tua descrição linda, maravilhosa....estou sem palavras.
ResponderExcluirQuando comecei a ler, logo percebi que era sobre a carta, ou melhor,a terceira carta em menos de um dia que ele,meu pai escreveu para minha mãe quando ela morava em Riogrande.A poesia, hoje se une a dor e a esperança de um dia poder reencotra-la.