Desde que casara e fora morar no grande casarão, isolado entre o mar e as montanhas, Clara jamais voltara à cidade onde nascera, nem mesmo para ir ao funeral de sua mãe. O marido era zelador e empregado da família proprietária e dizia que eles não podiam sair dali, pois os patrões não avisavam quando vinham.
Clara mantinha o interior da casa na mais perfeita ordem e limpeza, enquanto Ernesto ocupava-se do lado de fora. Grama sempre cortada, caminhos bem varridos, pintura impecável. Dia após dia, mês após mês, ano após ano. No princípio, ela fazia tudo com prazer e amor, afinal, era para o seu amado. Tinha uma curiosidade imensa por conhecer os patrões. Imaginava a senhora, às vezes, magra e elegante, outras, corpulenta e desajeitada. Nunca boa. Sempre implicante, exigente e grosseira. Não entendia por que não a via carinhosa e educada.
O tempo passava, o silêncio cada vez ficava mais grave e longo entre o casal. No entanto, Clara continuava a viver através das conversas imaginárias que tinha, inclusive, com o patrão. Ele nunca aparecera diferente. Era sempre o mesmo homem alto, com um ventre meio saliente, elegante, bem vestido e muito simpático. Mas o bigode e a barba, esses sim, à medida que o tempo passava, iam ficando mais brancos. Nos devaneios dela, o senhor entrava na cozinha e papeava com ela sobre os mais variados assuntos, contava-lhe das festas, dos teatros e dos livros.
Um dia, quando Clara já não andava mais tão ligeiro como antes, ouviu seu marido chamar. Ele estava na garagem, fazendo limpeza nas ferramentas; ela no andar de cima do sobrado, trocando os lençóis das tantas camas. O dia estava ensolarado, apesar do frio. Ela desceu as escadas, atravessou a sala de estar, abriu a porta da frente, mais uma vez desceu alguns degraus, cruzou o pátio e entrou na garagem. Ernesto estava lá, estendido no chão, morto.
Sozinha ela fez uma cova, enterrou o marido, colocou flores sobre ele, rezou e nunca mais voltou àquele canto do imenso terreno. Daquele dia em diante, Clara passou a fazer o serviço dos dois, agora cantando, dançando e conversando com as paredes, com as flores, com o mar, com as montanhas. Tudo permanecia extremamente limpo. Plantava, colhia, cozinhava, comia. Vivia!
Finalmente, os patrões apareceram. Ele, exatamente, como Clara sempre via. Ela, nem magra nem corpulenta; nem elegante nem desajeitada. Os dois chegaram, cumprimentaram-na cordialmente, A serviçal relatou sobre a morte do marido e os encaminhou para os aposentos na parte de cima da casa. Eles foram para o melhor quarto, o mais iluminado, o mais aconchegante e, para Clara, o mais limpo.
Clara chegou à sala de jantar e ouviu, ecoando por todo o casarão, uma voz feminina: "Esses lençóis não estão bem passados!"
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