segunda-feira, 12 de janeiro de 2015

Aquelas costas!

        Aquelas costas! Quantas vezes num dia, quantas num mês, quantas nesses anos todos olhando pela minha janela, percorrendo as janelas alheias. Até um binóculo comprei. Nada, absolutamente nada que me agradasse aparecia. Sempre o mesmo: vidraças entreabertas, roupas dependuradas, às vezes, à noite, as pernas de alguém sentado, provavelmente assistindo televisão. Tinha aquele rapaz que, ao final de tarde, vinha à murada da área dos fundos de onde morava e fumava um baseado. Tinha também o que lavava suas roupas de baixo diariamente e o outro cara cujo rosto nunca vi, pois este estava escondido atrás da tela de um notebook, mas suas pernas eram razoáveis. 
        A semana que terminara havia sido de tempo ruim, mas, apesar das chuvas, a temperatura não baixava. O calor castigava  a todos. Nem os papagaios, que normalmente batiam um papo em cima do prédio vizinho ao meu, apareciam. Deviam estar discutindo sobre o clima aboletados em alguma árvore, curtindo uma sombra. A maioria dos moradores havia se mudado para a praia. Felizes os que têm um lugarzinho mais saudável, mais natural, diferente desses pombais onde a modernidade nos fez empoleirar, em vista de segurança. A gente que assim reside, vai de uma nesga a outra de sol para tentar pegar um bronzeado. Sair a caminhar, nem pensar. Vira-se torresmo!
        Eram dez horas da manhã quando acordei, afinal era domingo. Abri todas as janelas para os anjos entrarem e abençoarem meu lar, assim minha mãe ensinou, e deixar o ar da manhã lavar os pensamentos ruins e desgostos dessa vida. O Sol! Sim! O Sol lá estava a iluminar cada cantinho de meu coração. Ele, o Rei não deixava nada feio. Tudo brilhava, tudo parecia cantar a alegria desta vida. E de janela em janela eu fui indo, olhando detalhadamente a paisagem. Até a basculante do banheiro foi forçosamente escancarada e um raio do meu Rei entrou majestoso, arrastando poesia pelos ladrilhos.
         Foi ele, eu tenho certeza, foi ele, o Rei, o Sol a causa daquela visão. Aquela visão que me fez deslumbrar o fogo de uma paixão, que me fez lembrar os melhores carinhos, que me fez ter vontade de passar novamente as mãos numa pela macia. De costas, apoiado numa das janelas visíveis do meu apartamento estava um jovem, expondo seus ombros, seus músculos, suas espáduas, sua cintura fina. Brilhava, brilhava muito! O calor já era tão forte àquela hora que o suor, com certeza, saía-lhe pelos poros e deixava toda sua pele molhada. E isso fez minha mente viajar a um passado distante, mas não esquecido, a um passado muito bem vivido, a um passado que me dá forças para continuar a minha jornada só, satisfazendo-me com o prazer de ver, ao longe, umas costas bonitas de um desconhecido rapaz cujo rosto não tenho a mínima ideia de como seja!

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