terça-feira, 21 de agosto de 2012

As pernas

Todas as noites quando ia fechar as vidraças da sala antes de ir dormir, ficava alguns minutos parada, observando cada uma das janelas dos demais apartamentos que formavam aquele cenário. Algumas ainda iluminadas, outras já no escuro. Mas tinha uma que sempre me chamava a atenção. Não era muito perto, e eu não tinha um binóculo, o que era lamentável. Porém aquele sofá vermelho, aqueles pernas gordas apoiadas numa banqueta, realmente me impressionavam. Dia após dia, aliás, noite após noite, lá estava ela. Ela? Será que aquelas abundâncias pertenciam a uma mulher? Poderiam ser de um homem também, por que não? Não adiantava mudar de ângulo, não conseguia ver além delas. O curioso é que tinha a sensação de que elas não saíam dali. Houve uma noite, uma daquelas em que tenho insônia que caminhava no escuro pelo apartamento, já eram umas três horas da madrugada, qual não foi a minha surpresa, olhei para a rua, desci os olhos para o sexto andar do prédio de trás e lá estavam as brancas e roliças coxas. Elas não descansavam, ou melhor, elas só descansavam. O tempo foi passando, e eu já buscava por elas quando chegava à janela. Estava familiarizado com as desconhecidas, gostava delas, tinha vontade de tocá-las, ver de quem eram. Colocava-me a imaginá-las, levantando, caminhando. Qual seria o tamanho do corpo que elas sustentavam? Andariam elas firmes ou mancavam? Lisinhas eram, pelos menos à distância pareciam. Eram claras muito claras! E os pezinhos, sim do meu ponto do vista eram muito pequenos em comparação a tudo que amparavam. Hoje estou naquelas noites, a Lua está cheia, a claridade toma conta de todas as frestas, e eu ando de um lado para o outro. Olho através dos vidros da sala e não vejo as minhas companheiras. Tudo está escuro. A janela está fechada. Será que elas voltarão amanhã?

Nenhum comentário:

Postar um comentário