domingo, 19 de janeiro de 2014

As pequenas manias



         O verão ainda não havia iniciado oficialmente, no entanto a temperatura já castigava os moradores da cidade a partir das primeiras horas da manhã. Pedro e Laura haviam se mudado para esse apartamento porque ficava mais próximo da empresa onde ele trabalhava. Para Laura não fazia diferença onde morassem pois trabalhava em casa, via internet. Porém o prédio não tinha a melhor posição solar, pegava sol a tarde toda.
         Eram sete e quarenta e cinco da manhã de uma segunda-feira. Pedro estava na cozinha fazendo o seu desjejum para sair para a produtora, onde era compositor, quando Laura chega. Ela não dá um sorriso, não diz bom-dia. Para, estática à porta da sala para a cozinha. Veste apenas uma camisola de cambraia bem fininha, através da qual se consegue deslumbrar as curvas bem delineadas do corpo dela. Seus ombros largos sustentam os braços alvos cruzados sob o busto. Seu rosto jovem e lindo carrega agora traços de fúria, de quem não concorda com o que vê, de quem não está acreditando no que acontece.
         Pedro repara na presença da esposa, estranha seu comportamento e tenta fazer com que ela diga por que afinal está tão indignada àquela hora da manhã, mesmo antes de trocarem o bom dia que sempre vem regado com muitas carícias e juras de amor.
         Mas o que se pode saber sobre o pensamento feminino? Como descobrir em que instante fazemos algo que possa transformar a magia dos cafés das manhãs em segundos de tensão, de insegurança, de desatino? Difícil, quase impossível poder prever tal situação. E era nesse mar de incertezas que Pedro estava mergulhado. O que foi agora? O que está acontecendo? O que eu fiz de errado? E imerso nessa tortura, ele ouviu a voz que tantas vezes lhe declarara amor eterno.
         ─ Eu não acredito, Pedro!
         Diante dessas palavras, o rapaz ficou mais estupefato. Ela não acreditava em quê? Do que ela estava falando? Há pouco mais de meia hora ele escorregara para fora dos lençóis que testemunharam delícias infindáveis de amor. Deslizara da cama de maneira quase imperceptível a fim de que ela, Laura, continuasse o seu sono. Lembra que parou em pé, ao lado do leito, olhando-a em silêncio. Como ele gostava de observá-la assim, dormindo, calma. Ela, o anjo da vida dele. Ele tinha certeza de que não fizera qualquer coisa que a pudesse deixar tão braba. Estaria chateada por ele não ter levado o café para ela na cama? Mas Laura sabia que nessa manhã ele teria de sair logo, pois teria uma reunião importante no trabalho. Decidiu tentar amaciá-la antes de saber do que ela falava.
         ─ Ora, meu bem! Não fique brabinha! Você quer que eu faça um sanduiche quente?
         Essas palavras a levaram a quase atacá-lo. Saiu da porta onde estava encostada e deu passos pesados e carregados na direção dele. Tinha as mãos fechadas como se fosse soqueá-lo. Chegando à mesa, apoiou-as sobre a toalha, dobrou o corpo e falou quase tocando a face do marido. Falou, com os dentes cerrados, que odiava sanduiches de manhã, ainda mais quentes! As palavras foram emitidas calmamente, mas o tom era de fúria.
         Ao deparar-se com a cara de perdido do marido, ela gritou:
         — Você comeu a última banana! Não consigo passar sem banana no café da manhã. Meu corpo precisa de banana! Minha mente pede banana!  Para mim, não ter banana pela manhã é um caso de vida ou morte, e nesse caso é de morte! A minha por não estar, pelo menos, enxergando uma banana, e a sua por ter comido a minha banana. Há mais de três anos que estamos juntos e isso me dá uma raiva muito grande. Como você ainda não entendeu que não pode comer a última banana?
         Pedro ergueu-se, segurou-a pela cintura fortemente, colocou-a sentada na cadeira de onde ele saíra, arrumou a cabeça dela bem retinha, ajeitou-lhe os cabelos, colocou as mãos da esposa sobre a mesa e disse:
         — Fique bem quietinha, não chore, não grite!
         Virou de costas e saiu caminhando rumo à rua. Ouviu-se o bater da porta do apartamento.
         Agora era Laura que não entendia nada. Nunca vira Pedro com aquele tom de voz. Nunca vira seu marido  tão firme. O que ele iria fazer? Aonde ele fora? Será que voltaria? Por um instante chegou a se arrepender do escândalo que fizera por causa de uma banana. Porém em seguida julgou bobagem esta atitude, afinal ele é que não respeitava suas pequenas manias. Claro que tinha razão. Por que Pedro não pensava nela? Uma banana podia não ter importância para ele, mas esse desejo dela era incontrolável. Desde pequena, ainda na casa de seus pais, nem mesmo sua avó ou seu irmão menor ousavam comer banana se houvesse apenas uma. Era uma questão de respeito, de conhecimento e de aceitação do outro. Isso, era isso mesmo. Ela tinha razão!
         Nesse momento, Pedro adentra a cozinha coloca na mesa, bem em frente a Laura um cacho de bananas e pergunta:
         — Chega?
         Laura olha pasma para as frutas!
         Pedro sai, fecha delicadamente a porta do apartamento e vai trabalhar!


(Texto escrito na noite do dia 02 de janeiro de 2014, em Capão da Canoa)

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