segunda-feira, 23 de junho de 2014

Presente de aniversário

        O som do piano me fez chegar mais perto. Som de piano caseiro. Não era um concerto. Era uma visita, entregando seu presente à aniversariante. Nada de pomposo, tudo de especial. O silêncio entre os demais convidados demonstrava o quanto as notas e o ritmo enlevavam a alma de cada um.
        Busquei um lugar de onde pudesse ver as mãos, os pés, a cabeça, enfim todo o movimento que envolve o saber tocar um instrumento. A pianista não era exímia, porém tinha alma e alegria. Não tocava nenhuma peça de Chopin, Shubert ou Bach. Interpretava, sim, interpretava uma série de boleros conhecidos da maioria dos que ali estavam, gente de mais de sessenta.
        Aos poucos fui me envolvendo de tal forma que me senti flutuando, voltando no tempo até chegar à casa onde me criei. Era a sala de visitas, onde, além de poltronas, cortinas, tapete, havia um piano. Um piano de parede, simples, bem conservado e  afinado. Minha mãe estava ali. Era jovem ainda. Seus dedos corriam pelas teclas,  e ela cantava. Era um fado - "Era uma casa portuguesa com certeza...". Eu, nos meus nove anos, juntei-me a ela, e comecei a soltar a voz do jeito que ela gostava. E nós duas seguimos entoando uma série de diferentes melodias. Não só fados,  mas  boleros e  tangos também. Nesse meu devaneio, meu pai chegou de mansinho, pegou seu contrabaixo e passou a nos acompanhar. A música era a alma da nossa família.
         Quando me dei conta, não mais cantava e sentia o peso dos anos sobre mim. Havia voltado à festa. A pianista já havia trocado. Era outra convidada que também fazia sua homenagem, agora não mais com melodias populares, mas com composições eruditas que, depois soube, ela tocava de ouvido. Não menos nem mais belas que as anteriores, que me fizeram sair do ar uns minutos. Era um tocar mais suave, só!
         Tenho certeza de que estes foram os presentes de que a aniversariante mais gostou, além do conjunto da festa oferecida por seu marido e a presença dos convidados. No próximo ano tem mais! Visualizo teu sorriso, amiga!

     

2 comentários:

  1. Maravilha. Ao ler, também dei uma corrida para a casa da minha infância. Quanta diferença. Lá somente os pássaros cantavam. Parabéns pelo belo texto. Beijos.

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